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24/07/2020 às 11h00min - Atualizada em 24/07/2020 às 11h00min

Como sua indignação nas redes sociais pode ter efeito contrário ao desejado

BBC
Levantamento de ativista mostra no canto esquerdo (amarelo e isolado) os primeiros perfis a usarem uma hashtag antissemita. Assunto, porém, ganhou toda a rede social após ser impulsionado por outros grupos
Levantamento de ativista mostra no canto esquerdo (amarelo e isolado) os primeiros perfis a usarem uma hashtag antissemita. Assunto, porém, ganhou toda a rede social após ser impulsionado por outros grupos. Em 18 de maio de 2020, uma hashtag contra judeus amanheceu entre os assuntos mais comentados do Twitter na França.

Visível para os quase 9 milhões de usuários da rede social no país, não demorou para que a #sijetaitunjuif, ou #seeufossejudeu, parasse no debate público.

Discussões foram feitas em programas jornalísticos, entidades judaicas emitiram notas de repúdio e políticos usaram o ataque antissemita para reforçar bandeiras. Mas o que parecia uma grande campanha de ódio contra os judeus - ao ponto de ficar entre os temas mais comentados naquela manhã entre os franceses - na verdade começou como algo pontual e acabou crescendo justamente pela ação de quem se indignou com aquilo.

Um monitoramento feito pelo hacker francês ativista no combate à desinformação e proteção de dados Robert Baptiste, que usa o codinome Elliot Alderson nas redes sociais, mostra que os primeiros tuítes começaram a circular em um pequeno grupo, na noite anterior: ao todo, 54 pessoas que só interagiam entre si fizeram alguns posts, muitas com perfis falsos.

Mas tudo mudou quando usuários fora dessa "bolha" descobriram a hashtag e se indignaram com ela. Com mensagens públicas expondo a revolta, usuários adotaram a hashtag para pedir ao Twitter que fizesse algo.

A partir daí, compartilhamentos, curtidas, comentários... Logo, o assunto foi parar entre os mais discutidos.

Durante a manhã, a Liga Internacional contra o Racismo e o Antissemitismo se pronunciou sobre o assunto. Depois foi a vez de políticos dos extremos do espectro e influencers.

"De indignação em indignação, a hashtag se espalha para todos os lugares (...) É um padrão. As pessoas veem algo que as choca e mencionam o conteúdo. Fazendo isso, elas o amplificam", disse Baptiste à BBC News Brasil.

Atenção aos extremos
O exemplo não é exclusividade da França. Não é raro que postagens e vídeos sejam impulsionados nas redes sociais por aqueles que mais os repudiam. E isso pode ter a ver com o efeito que as redes sociais têm sobre nossas emoções.

"O algoritmo das plataformas trabalha para que passemos mais tempo nelas. E os posts e assuntos com reações mais extremas nos faz ficar mais [tempo], por causa da indignação dos dois lados", conta a professora Lilian Carvalho, coordenadora do Núcleo de Comunicação, Marketing e Redes Sociais Digitais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

E, quanto mais um determinado post envolve os usuários, mais ele vai ganhando destaque e alcançando novas pessoas. No caso do Twitter, pode parar nos Trending Topics; no Facebook, pode aparecer mais alto no feed de amigos; no YouTube, pode aparecer nos vídeos "em alta" e "recomendados".

'Economia do ódio'
Apesar de estarmos conectados o dia inteiro de alguma forma nas redes sociais, não é sempre que achamos tempo para nos engajarmos.

Trabalho, almoço, estudo, tarefas domésticas… É nessa disputa por nossa cada vez mais escassa atenção que acontece o debate de ideias nas plataformas, explica Marco Bastos, professor de comunicação e especialista em redes sociais da City University of London, no Reino Unido.

"Não tem como dar atenção a tudo que está acontecendo, então os usuários usam o pouco tempo que têm para investir em ideias que são caras a eles, na guerra de quem vai falar o que ou quem vai ter mais resultado sobre aquilo. A economia do ódio atua justamente aí, no conteúdo que as pessoas não vão conseguir evitar de olhar e comentar", diz.

Um dos resultados disso, segundo os especialistas, é a polarização, já que os extremos repercutem mais. Para Lilian Carvalho, as postagens no "meio termo", mesmo que concordemos com elas, não despertam o nosso interesse. "Não digo que a pessoa não deve se indignar, mas entender o que essa indignação significa no ambiente das redes sociais e como as plataformas utilizam de gatilhos emocionais para manipular nossas emoções".

No caso específico do Twitter, o professor Marco Bastos ressalta ainda que mudanças feitas pela plataforma alteraram o aparecimento de assuntos na lista do Trending Topics, que reúne os assuntos mais comentados. Se antes, ela era baseada apenas na quantidade de posts, hoje leva em consideração a diversidade de grupos que falam sobre o mesmo assunto. Ou seja, se todos os ambientalista do mundo - mas apenas eles - resolverem impulsionar uma hashtag, só vão conseguir emplacar caso o assunto seja discutido fora da "bolha" e gere algum tipo de embate.

Na terça-feira (21), a hashtag #FamíliasContraFelipeNeto, por exemplo, apareceu entre os assuntos mais comentados na rede social. A ideia era protestar contra os posicionamentos políticos do popular youtuber brasileiro. Uma simples busca pelo termo, porém, mostra que alguns dos posts com mais engajamento, na verdade, eram de apoio a Felipe Neto. Ainda assim, a notícia sobre a popularidade do termo foi tema de posts de blogs e sites de notícias.

Em outros casos, grupos contrários conseguem, de fato, se apropriar de uma hashtag e dar um novo significado a ela. Um exemplo recente é a #WhiteLivesMatter, ou Vidas Brancas Importam, que começou como reação ao movimento antirracista Vidas Negras Importam.

O termo acabou sendo "sequestrado" por fãs da música pop sul-coreana, o k-pop, que diluíram mensagens racistas num mar de posts sobre seus ídolos.

A lista de assuntos mais comentados no Twitter é muito utilizada para pautar jornalistas e em debates na TV no Brasil, como no programa matutino Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo.

"Acho que o usuário sabe que, ao falar sobre o assunto, o está impulsionando. Mas essa não é a preocupação principal dele no momento que ele quer impor seu ponto de vista". explica o professor Marco Bastos.

À espera dos compartilhamentos
Chamar a atenção dos usuários com as reações extremas é apenas um dos artifícios das redes sociais para estimular mais o uso de suas plataformas.

A estrutura também nos faz esperar por reações ou "fazer parte de uma comunidade", como explica Bastos. Quando nos posicionamos, desejamos curtidas, comentários e compartilhamentos.

Em recente entrevista à BBC, a jornalista espanhola Marta Peirano, autora do livro El Enemigo Conoce El Sistema (O inimigo conhece o sistema, em tradução livre), ressaltou que a estrutura das redes sociais nos faz ficar viciados.

"Somos viciados em injeções de dopamina que certas tecnologias incluíram em suas plataformas. Isso não é por acaso, é deliberado". A dopamina é um neurotransmissor cuja atividade está ligada à motivação que temos para fazer as coisas e pode ser acionada por uma série de estímulos externos, de um barulho a uma notificação.

"Temos que lembrar que tudo isso é muito novo, estamos aprendendo. Antes, quando só consumíamos TV, era fácil controlar. Era só mudar de canal para a gente deixar de ver o que não queríamos reagir. Agora não, estamos na mão do algoritmo, que coloca o assunto que quer na nossa frente", conclui a professora Lilian Carvalho.

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