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09/01/2024 às 13h50min - Atualizada em 10/01/2024 às 07h20min

O caso Ana Hickmann e a prisão por alienação parental: a Justiça a serviço da violência

Mesmo não sendo perfeita e necessitando de ajustes, a lei brasileira ainda é o instrumento mais eficaz no combate às agressões contra o público feminino

Celeste Leite dos Santos
Celeste Leite dos Santos
*Celeste Leite dos Santos

Recentemente, a apresentadora Ana Hickman trouxe a público possível violência doméstica perpetrada contra ela, na frente de seu filho, pelo então marido, Alexandre Correa. Caso comprovados tais fatos, temos, aqui, duas vítimas: Ana, que, diretamente, sofreu a possível agressão, e a criança, vítima indireta. Agora, em mais um capítulo dessa lamentável e triste história, Correa acusa a ex-mulher de alienação parental, e pede à Justiça que Ana seja presa. E, então, muitos se perguntam: depois de tudo o que foi divulgado sobre o caso, seria esta prisão possível?

Vejamos: na contramão de outros países, o Brasil conta com a Lei de Alienação Parental (12.318, de 2010), que foi, inclusive, ampliada recentemente, sob a Lei 14.340, de 2022, abarcando, assim, o acréscimo das figuras da mudança abusiva de endereço, e a inviabilização ou a obstrução à convivência familiar.

As medidas previstas para casos de alienação parental são advertência; ampliação do regime de convivência familiar; multa; acompanhamento psicológico ou biopsicossocial; alteração ou inversão da guarda; e a fixação da cautela do domicílio da criança ou do adolescente. Portanto, não há previsão de pena de prisão por eventual descumprimento nas regras do regime de convivência.

Há, também, em vigor no País, as Leis Maria da Penha e Henry Borel, que presumem a vulnerabilidade da mulher e dos filhos em ocorrências em que se configurem violências física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.

A Lei Maria da Penha estabelece, por exemplo, a opção, para quem sofre a agressão, de propor o divórcio ou a dissolução da união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Já entre as medidas protetivas previstas está “a restrição ou a suspensão de visitas aos dependentes menores, desde que com o acompanhamento da equipe de atendimento multidisciplinar ou de serviço similar”. Na prática, as medidas protetivas têm se limitado à questão da separação de corpos e o afastamento do agressor do lar conjugal.

Por sua vez, a Lei Henry Borel prevê a proteção de quem denuncia violência contra menores, assim como medidas protetivas aos agredidos, como a proibição do contato; o afastamento do agressor; a prisão preventiva nos casos de indícios de ameaça à criança ou ao adolescente que sofreu ou presenciou a violência; a inclusão da vítima em programa de proteção; e o atendimento gratuito por parte dos órgãos de Assistência Social.

Sabe-se que o Direito é uno e não contém contradições. Só que é importante reforçar, ainda, que, a legislação especial afasta a lei geral, por força do princípio da especificidade. Mais ainda: sendo a última atualização da Lei de Alienação Parental de 18 de maio de 2022 e a Lei Henry Borel datada em 24 de maio de 2022, houve revogação tácita da legislação de alienação parental nos casos em que esteja envolvida a prática de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, ou mesmo nas hipóteses em que ela seja testemunha de violência doméstica - uma vítima indireta, como, possivelmente, aconteceu com Ana Hickmann e o filho, semanas atrás.

Em síntese, a revogada Lei de Alienação Parental não poderia ser aplicada, em tese, hoje, aos fatos noticiados pela apresentadora, e, ainda que assim não o fosse, a legislação em vigor no Brasil não prevê a pena de prisão. Logo, ao que parece, dizer o contrário significa desinformação e está totalmente divorciado do que o ordenamento jurídico garante a quem é submetida à violência doméstica no País. Mesmo não sendo perfeita e necessitando de ajustes, a lei brasileira ainda é o instrumento mais eficaz no combate às agressões cometidas contra o público feminino.

*Celeste Leite dos Santos é doutora em Direito Civil, mestre em Direito Penal, promotora de Justiça em último grau no Ministério Público (MP) de São Paulo, presidente do Instituto Pró-Vitima, e idealizadora da lei federal de importunação sexual.
 

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