A aceleração de casos de covid-19 no Brasil é como um
"foguete subindo a 10 mil quilômetros por hora até a estratosfera", compara o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt.
Depois do cenário catastrófico do início do ano, com explosão das transmissões pelo vírus e lotação de UTIs no país, alguns Estados já passaram a flexibilizar as restrições que tentam diminuir a circulação do coronavírus. As medidas, contudo, estão sendo abandonadas de forma
"bastante precipitada", avalia o cientista. A situação ainda é crítica, com alta ocupação hospitalar e alta de mortes diárias.
"O Brasil não está nem perto de ter queda de casos de covid-19", diz Schrarstzhaupt, um dos coordenadores da Rede Análise Covid-19. Com o afrouxamento, o cientista observa que alguns Estados já perigam voltar a acelerar o número de casos.
"Estamos flexibilizando cedo demais e revertendo a desaceleração." Com média de novos casos nos últimos sete dias em 65 mil diários e a de óbitos quase chegando a 3 mil mortes nos últimos dias,
"flexibilizar agora vai criar uma explosão muito maior de casos", opina ele.
"O Brasil só deu uma respirada, encheu pulmão de ar e já vai voltar a mergulhar de novo. Não deixou cair o número de casos para valer." Especialistas em todo o Brasil têm pedido um
"lockdown nacional", com medidas mais restritivas que as adotadas até agora e durante três semanas para sair da crise sanitária.
Em um lockdown, ou confinamento, as pessoas ficam dentro de casa para diminuir a circulação em ambientes com outras pessoas e, assim, quebrar cadeias de transmissão. A medida foi adotada em diversos países e se mostrou eficaz para conter o vírus e, como consequência, hospitalizações e mortes. Normalmente, essas medidas vêm associadas de auxílio financeiro do governo para quem não pode trabalhar de casa.
Número de óbitos deve estabilizar em patamar '
altíssimo' ou ainda crescer, caso Estados flexibilizem medidas de restrição, diz especialista
Mas mesmo as restrições mais brandas adotadas por Estados brasileiros estão sendo abandonadas agora, enquanto o país segue com um patamar bastante alto de casos. Essa situação pode resultar em dois cenários, prevê Schrarstzhaupt:
- O número de casos vai estabilizar, mas em um nível muito alto, transformando a "recém conquistada desaceleração em um platô de muitos óbitos";
- O número alto de pessoas doentes circulando será um "combustível" para novas infecções, gerando um novo aumento do número de casos, hospitalizações e mortes no Brasil A vacinação, por enquanto, está muito incipiente para ser vista como um "
escudo", diz ele.
"Se eu fosse apostar, hoje estou enxergando um platô altíssimo. Os casos não vão cair, teremos uma ocupação enorme nos hospitais, aquela coisa ultraestressante para o sistema." Foguete Em seu dia a dia, Schrarstzhaupt faz análise de riscos para empresas. Na pandemia, passou a analisar dados de mobilidade da população e do número de casos de covid-19, fazendo previsões acertadas. Tornou-se um dos coordenadores da Rede Análise Covid-19, formada por pesquisadores voluntários dedicados a divulgar informações científicas sobre a pandemia no Brasil.
O cientista analisa dados de mobilidade fornecidos pelo Google. São dados anônimos de quem usa serviços de localização do celular, e mostram o deslocamento das pessoas em cidades e Estados para locais de trabalho, mercado, farmácias, residências, transporte público. Em suma, revelam a dinâmica da sociedade: se a população está ficando mais em casa ou se está saindo para realizar atividades em outros lugares.
Outra métrica que ele usa é a da média móvel de casos positivos por dia. Comparando quantos casos foram notificados a cada dia, Schrarstzhaupt consegue enxergar a aceleração. Ele explica:
"A aceleração é a velocidade do crescimento. Está crescendo a quanto? É isso que eu procuro saber."
Desde essa projeção, em 7 de abril de 2021, ja morreram mais 31 mil pessoas por covid no Brasil, totalizando 371 mil mortos
Ele então compara a mobilidade das pessoas com a aceleração - em tese, quanto maior o deslocamento das pessoas, maior é a possibilidade de contágio. Os dados não demonstram causa e efeito, mas correlação, embora desde o início da pandemia a correlação entre estes dados tenha sido bastante sólida, diz ele. O cruzamento desses dados o ajuda a prever a direção da pandemia no Brasil.
Para continuarmos na metáfora do início da reportagem, é como se a curva de casos de covid-19 no Brasil fosse um foguete, propõe o pesquisador. Quando o deslocamento das pessoas foi restringido nos últimos meses, o foguete desacelerou. Em outras palavras, continuou subindo, mas cada vez mais devagar.
"Estávamos explodindo sem freio. Fizemos restrições em vários Estados e conseguimos desacelerar. Não é queda, é a velocidade de subida que reduziu." Foi um leve pé no freio, porque ainda estamos acelerando. O foguete
"continua lá em cima na estratosfera", diz Schrarstzhaupt,
"com muitos casos, internações e óbitos". Para que mude de direção e comece a cair, é preciso fazer a mesma força para empurrá-lo para baixo. Essa força são as medidas de contenção do vírus, de restrição de mobilidade.
Estados A explosão de casos de covid-19 no início do ano se deu de forma quase que sincronizada no Brasil todo, explica Schrarstzhaupt, e foi seguida de medidas restritivas ao deslocamento nos Estados.
Lockdown de três semanas ajudaria a quebrar as cadeias de transmissão do coronavírus no país
Agora, a flexibilização dessas medidas já tem causado um impacto na desaceleração dos casos de covid-19 e indica um caminho perigoso para todos os Estados brasileiros. Segundo suas análises, todos devem tomar cuidado, mas há alguns que já mostram
"reversão de tendência", ou seja, quando a desaceleração diminui e caminha novamente para uma aceleração.
No Amazonas, por exemplo, depois das restrições da fase roxa, houve queda de casos. Schrarstzhaupt lembra que ajuda também o
"isolamento 'endógeno", de pessoas que ficam em casa por medo, mesmo sem restrições". Mas no dia 20 de março, o Estado passou da fase vermelha para a laranja, e agora o que se vê é que a velocidade de queda está freando.
Os dados mostram isso: levando em consideração a média móvel de casos no Amazonas e analisando sua velocidade, Schrarstzhaupt viu, no dia 11 de abril, que a variação naqueles últimos 30 dias havia sido de -36.84% (ou seja, queda). Nos últimos 10 dias, de -20%. Em outras palavras, diminuiu a velocidade da queda.
A Bahia é outro exemplo.
"Vinha em aceleração, restringiu a mobilidade, desacelerou. Agora reabriu e já mostra reversão", diz. Em Salvador, os shoppings reabriram no dia 6/4.
Outros Estados que vinham desacelerando agora
"rumam para uma estabilização da queda". Algo perigoso em um patamar tão alto, diz, pois há casos ativos demais transmitindo o vírus.
O governo de Alagoas anunciou a liberação do funcionamento de bares e restaurantes com atendimento presencial e, à noite, pague e leve, a partir do dia 6/4. Os dados mostram que os casos ali pararam de cair e "
estabilizaram em um patamar altíssimo", diz o cientista.
O Rio ainda nem teve desaceleração - ali, os casos seguem aumentando. Na capital, a prefeitura retomou horários ampliados de funcionamento para o comércio - bares, restaurantes, lanchonetes e quiosques da orla do município. Escolas foram reabertas, assim como em São Paulo.
O governo do Rio Grande do Sul ampliou o horário em mercados, restaurantes e bares. Se nos últimos 30 dias antes de 11 de abril os casos estavam caindo a uma velocidade de -56%, nos últimos dez dias passaram a cair em uma velocidade de -19%. Ou seja, diminuiu a velocidade da queda. Ainda é uma queda, mas mais lenta, diz o cientista de dados.
O perigo para os Estados brasileiros é que o afrouxamento das medidas de proteção revertam a desaceleração e os casos voltem a subir.
Como muitos especialistas, Schrarstzhaupt defende um lockdown nacional para cortar pela raiz a disseminação dos casos, associado a um auxílio financeiro para a população passar por isso. "
Quanto mais esperarmos para fazer, mais caro vai ficar. Teremos mais doentes, e levará mais tempo para o foguete descer", afirma.