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23/10/2019 às 15h29min - Atualizada em 23/10/2019 às 15h29min

Prisão após 2ª instância: o que está em jogo no STF e como decisão pode afetar Lula e a Lava Jato

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (23/10) um julgamento cujo resultado impactará o funcionamento do sistema penal brasileiro e as vidas de milhares de presos em todo o país

BBC
Relator das ações, o ministro Marco Aurélio foi o primeiro a proferir seu voto no julgamento sobre prisão após condenação em segunda instância - FOTO: ROSINEI COUTINHO/SCO/STF
A Corte decidirá se um réu condenado pela segunda instância da Justiça pode começar a cumprir pena imediatamente, ou isso só pode ocorrer depois de esgotados todos os recursos disponíveis em tribunais superiores.

O julgamento foi retomado às 9h49 desta quarta — com um pequeno atraso em relação ao horário inicial. Por volta de meio-dia, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, suspendeu a sessão para o almoço. A Corte volta a se reunir às 14h.

O julgamento atual do STF se baseia em três Ações Declaratórias de Constitucionalidades (ADCs), apresentadas pelo antigo Partido Ecológico Nacional (PEN, atual Patriota); pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B).

Destes três, um voltou atrás: o partido Patriota hoje defende a regra atual, isto é, a de que a prisão possa acontecer já depois da condenação pela segunda instância.

Na manhã de hoje, o relator do caso, ministro Marco Aurélio, deu seu voto: ele é a favor da mudança da regra, para que a prisão só possa acontecer após o chamado trânsito em julgado, quando todos os recursos são esgotados.

Marco Aurélio argumentou que o Artigo 283 do Código Penal está de acordo com a Constituição, como pedem os autores das ações. Em casos como este, onde a norma é clara, disse Marco Aurélio, o Poder Judiciário deve exercer "o princípio da auto-contenção", e evitar interferências indevidas.

Para ele, a mudança de entendimento que hoje permite a prisão após segunda instância representa um "retrocesso constitucional".

Além disso, disse o ministro, é impossível devolver a liberdade a alguém que seja preso após a segunda instância e depois solto por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo.

Impacto para Lula e a Lava Jato
O Supremo também ouviu hoje o advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça; e o procurador-geral da República, Augusto Aras. Ambos fizeram defesas enfáticas norma atual, que permite a prisão após segunda instância.

Dois advogados representado entidades contrárias à prisão após segunda instância também foram ouvidos nesta manhã.

A primeira sessão do julgamento foi na quinta-feira (17). Na ocasião, Marco Aurélio leu seu relatório (uma apresentação da discussão). O Supremo também ouviu os advogados dos autores das ações que estão sendo julgadas; o representante da Defensoria Pública da União (DPU); e advogados que argumentaram de ambos os lados da disputa.

A decisão do STF tem potencial de tirar da cadeia milhares de pessoas hoje presas, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em seu caso mais adiantado, o do chamado "tríplex do Guarujá", Lula já teve recurso negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) — o equivalente à "terceira instância" no sistema brasileiro — mas o petista ainda tem direito a recursos no próprio STJ e no STF.

Se o STF passar a permitir a prisão apenas após o trânsito em julgado, Lula será solto — estará totalmente livre, e não em regime semiaberto ou em prisão domiciliar.

O ex-presidente está preso desde abril de 2018, após ser condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá pelo ex-juiz Sergio Moro e pelo Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4). Neste ano, a condenação foi confirmada pelo STJ.

Outro que seria beneficiado, por exemplo, é o ex-tesoureiro do PT João Vaccari, que já cumpre pena e tem outro processo perto de ser julgado pelo TRF-4.

Já o ex-governador do Rio Sérgio Cabral, que foi condenado doze vezes em processo da Lava Jato, não deixará a prisão. "O ex-governador está preso preventivamente. Eventual decisão do STF não o colocará em liberdade", explicou seu advogado, Márcio Delambert. Também continuaria preso o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha.

Segundo comunicado da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, "38 condenados (pela operação) - dentre presos em regime fechado, semiaberto e diferenciado com tornozeleira - poderão ser beneficiados".

Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, mostra que existem hoje 4.895 pessoas presas no Brasil depois de serem condenadas pela segunda instância da Justiça, e que poderiam ser soltas, a depender do resultado no STF.

Se a mudança se concretizar, será a terceira em pouco mais de dez anos: a prisão depois da segunda instância era permitida até 2009, quando o Supremo decidiu que esta possibilidade não estava de acordo com a Constituição. Em 2016, o entendimento mudou novamente, para voltar a permitir a prisão após segunda instância — chamada de "execução provisória" da pena, no jargão do direito.

Como é o histórico de cada ministro no tema
Não é possível saber o entendimento de cada um dos dez ministros que ainda não votaram de antemão, mas o histórico de votações de cada um deles indica qual pode ser a sua posição.

Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, sempre se manifestaram a favor da prisão já após a segunda instância.

Do outro lado, os ministros Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Marco Aurélio (relator do caso atual) sempre votaram a favor da prisão somente após o trânsito em julgado. Estes ministros formam o grupo apelidado de "garantista" no tribunal. Marco Aurélio reiterou este entendimento hoje.

O ministro Gilmar Mendes já votou das duas formas — mas recentemente tem feito críticas à prisão após segunda instância. Em entrevista à BBC News Brasil no último dia 11 de outubro, disse que pode adotar a posição de Marco Aurélio, Lewandowski e Celso de Mello.

"Eu estou avaliando essa posição. Mas na verdade talvez reavalie de maneira plena para reconhecer (a possibilidade de prisão apenas depois de) o trânsito em julgado", disse.

Há menos indicações sobre os votos da ministra Rosa Weber e do presidente da Corte, Dias Toffoli.

Em 2018, Weber disse que sua opinião pessoal era contra a prisão após segunda instância — mas votou de forma diversa em um caso envolvendo o ex-presidente Lula em respeito ao entendimento vigente no tribunal. Agora, com o tribunal julgando o tema de forma abstrata, Weber pode se alinhar ao grupo "garantista".

Já Dias Toffoli estaria pendendo para uma solução de meio-termo, segundo a imprensa especializada na cobertura do STF: o presidente defenderia a prisão apenas após esgotados os recursos possíveis no STJ (apelidado de "terceira instância"). Como são necessários seis votos para formar maioria no Supremo, deve ser de Toffoli o voto decisivo.

Em geral, representantes do Ministério Público e outros defensores da execução provisória da pena costumam dizer que uma eventual mudança de posição do STF pode provocar impunidade, especialmente de pessoas com dinheiro para contratar advogados para recorrer até os tribunais superiores, como STF e STJ.

Por outro lado, advogados criminalistas, defensores públicos e outros defensores da prisão somente após o trânsito em julgado argumentam que a Constituição e o Código de Processo Penal são claros a respeito do tema; e que a regra mais dura pune principalmente pessoas pobres — que formam a maioria da população carcerária do Brasil.

De onde veio o pedido?
As três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que estão sendo julgadas nesta quarta-feira têm uma argumentação bastante parecida. Pedem que o Supremo declare constitucional (isto é, de acordo com a Constituição) o Artigo 283 do Código de Processo Penal, o CPP.

O artigo diz que "ninguém poderá ser preso senão (...) em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado". Para o PCdoB, a OAB e o antigo PEN, o artigo está de acordo com o que diz a Constituição.

A argumentação se baseia no inciso 57 (LVII) do artigo 5º da Constituição, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado".

Desde 1988, quando a Constituição foi promulgada, até 2009, vinha prevalecendo o entendimento de que era possível cumprir a pena antecipadamente, mas não havia uma orientação clara do STF sobre o assunto.

Por causa disso, em 2009 o plenário do STF analisou a questão a partir de um habeas corpus (pedido de liberdade) de um réu condenado por homicídio — na ocasião, por 7 a 4, o Supremo decidiu contra a prisão antes do esgotamento dos recursos.

Em 2016, porém, o plenário voltou a analisar a questão, ao julgar outro habeas corpus, e decidiu por 7 a 4 autorizar o cumprimento antecipado da pena. O resultado foi modificado porque a composição da corte se alterou, devido à aposentadoria de alguns ministros, e também porque Gilmar Mendes mudou seu voto.
 

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