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07/03/2024 às 07h16min - Atualizada em 07/03/2024 às 07h16min

Estudante da UFRGS luta para salvar gatos antes da demolição do Esqueletão

Sul21
À primeira vista, quem olha o rosto de traços delicados, corpo franzino e voz suave, não imagina a obstinação da estudante de Biologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em sua tentativa de salvar um grupo de gatos que habitam o segundo andar do Edifício Galeria XV de Novembro, conhecido como “Esqueletão”, no centro de Porto Alegre.

Desde antes do carnaval, Maria (o nome real foi alterado para evitar represálias) tem atuado diariamente para resgatar oito gatos que vivem no local, salvá-los antes que a planejada implosão do prédio seja concluída. Neste período, pediu ajuda em órgãos públicos e alertou sobre o risco de vida dos animais. A ânsia em ajudar os bichanos esbarrou num certo desdém, assim como na falta de política pública efetiva sobre animais domésticos na Capital. Com percalços, ainda conseguiu encontrar apoios isolados e, graças a sua perseverança, resgatou cinco gatos (dois adultos e três filhotes), restando outros três (um adulto e dois filhotes) que seguem morando no prédio condenado.

Maria soube da existência dos animais por meio de uma colega de academia, localizada bem ao lado do Esqueletão. Essa pessoa, há mais de um ano, alimentava os gatos que ali viviam. Por meio de um terraço que conecta a academia ao edifício, a tal colega depositava ração para os bichos. As notícias sobre os planos da Prefeitura de implodir o prédio motivaram a estudante de Biologia a agir.

Ela conseguiu emprestada uma armadilha para resgatar gatos com o Gabinete da Causa Animal da Prefeitura e a primeira ideia foi pedir ajuda aos bombeiros. Ela já havia recorrido ao mesmo expediente recentemente, no caso de alguns gatos presos na tubulação do campus da UFRGS. Na ocasião, os bombeiros foram prestativos e logo apareceram para salvar os animais. Dessa vez, entretanto, marcaram dia e hora com Maria, mas ela esperou por duas horas e ninguém apareceu. Ao questionar o que havia acontecido, ouviu como resposta que o caso não era urgente.

Foi então que a estudante começou seu périplo. Procurou a Patrulha Ambiental (Patram), a Brigada Militar, registrou o caso no 156, fez contato com a Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi) e, novamente, com o Gabinete da Causa Animal. Sem sucesso. A resposta era que o resgate dos gatos não era urgente.

Ainda durante o carnaval, ela conseguiu deixar ração e areia no terraço da academia. No dia 15 de fevereiro, Maria se desesperou. Uma informação equivocada a fez crer que o prédio já entraria em processo de implosão. Saber que os oito gatos estavam encurralados dentro do edifício e poderiam morrer lhe causou enorme aflição.

A estudante foi novamente à luta e, por meio de um contato na Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi), conseguiu finalmente a autorização para entrar no Esqueletão e tentar o resgate dos animais. Na sexta-feira, dia 16 de fevereiro, já de posse de duas gatoeiras, Maria entrou no prédio. Seu plano era resgatar os animais adultos nas armadilhas e os filhotes com as mãos mesmo. Os gatos se revelaram muito “ariscos” e a operação não deu muito certo. Tampouco deu completamente errado.

Chegando no Esqueletão por volta das 6h30 para armar as armadilhas e voltando no final da tarde por vários dias seguidos, Maria conseguiu finalmente resgatar cinco animais. Desde então, os gatos resgatados estão num lar temporário, enquanto ela tenta que os bichanos possam ser acolhidos por alguma ONG especializada. A fêmea adulta resgatada foi castrada, com as despesas de todos os cinco gatos pagas desde então pela estudante da UFRGS, com a ajuda de outros voluntários.

Quando o processo de resgate dos animais vinha dando certo, eis que a demolição do Esqueletão foi embargada, no último dia 27 de fevereiro, pela Superintendência Regional do Trabalho. Os auditores fiscais do trabalho constataram risco aos trabalhadores da obra, funcionários da demolidora FBI, contratada pela prefeitura.

A implosão total do Esqueletão foi descartada ainda durante o planejamento da obra devido ao fato da construção ficar em meio a outros prédios da região. Até ser embargada, a demolição estava sendo realizada por meio de dois processos: manual e mecânico. A demolição manual utiliza ferramentas como marteletes, talhadeiras e ponteiros. Já a demolição mecânica usa máquinas e equipamentos pesados para derrubar ou remover estruturas de diferentes tipos, como vigas, paredes, coberturas e estruturas metálicas ou de madeira.

Conforme o auditor Sérgio Augusto Letizia Garcia, os trabalhadores corriam o risco de queda de altura pela falta de proteção na periferia da obra, nas aberturas do piso, nas escadas de acesso coletivo e nos vãos dos poços de elevadores. Além disso, a obra utilizava um sistema com roldanas e cordas para o transporte vertical de materiais, através do poço do elevador. Para que a obra possa continuar, a empresa precisa instalar um elevador de cremalheira para o transporte vertical de funcionários e materiais, além de medidas de proteção coletiva nos locais com risco de queda.

“Nós acatamos os apontamentos e, já nos próximos dias, vamos entregar novo projeto para que a obra seja retomada. Mas não há prazo estipulado, a pressa é nossa”, explicou, na ocasião, André Flores, secretário municipal de Obras e Infraestrutura (SMOI). Segundo o secretário, houve uma divergência na interpretação da norma. “A forma que estavam fazendo também está prevista na legislação, mas a Superintendência entende que a forma mais segura é outra”, afirma.

Desde então, a demolidora FBI precisa apresentar um novo planto de demolição à Superintendência Regional do Trabalho. A etapa seguinte será os auditores fazerem uma nova inspeção para verificar se as irregularidades foram sanadas.

Enquanto o imbróglio não se resolve, Maria se angustia com a situação dos gatos que ainda estão no edifício. Ao mesmo tempo, se incomoda com o que chama de falta de política pública para lidar com animais domésticos em Porto Alegre. A estudante de Biologia percebe o voluntariado ligado à causa animal como uma atitude nobre, porém, lamenta que a sociedade civil tenha que assumir responsabilidades que, ela acredita, devem ser do poder público.

“Me sinto impotente, dependendo de outras pessoas para fazer algo simples e até sendo tratada com deboche. Me tratam como se eu fosse uma desocupada, mas eu trabalho, estudo, tava envolvida com o final do semestre na universidade”, pondera a estudante, que conta ter forte ligação com animais domésticos desde criança.

Maria afirma ter feito os cinco resgates sem causar qualquer prejuízo ao trabalho da demolidora FBI. Ela, inclusive, elogia e agradece o supervisor do serviço pela atenção e auxilio quando entrou no prédio, vestindo capacete e outros recursos de segurança. Cansada com a situação, diz só querer finalizar os resgates.

Ao saber que o embargo da demolição pode durar várias semanas, talvez até 30 dias, conforme estimativa da Superintendência Regional do Trabalho, a estudante da UFRGS afirma que vai insistir até conseguir uma liberação da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi).

“Trinta dias é muito tempo. O embargo tem relação com a falta de segurança dos profissionais, mas o local que acesso não necessita disso. Espero terminar os resgates. Quero muito.”

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