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30/05/2018 às 11h29min - Atualizada em 30/05/2018 às 11h29min

A geração smartphone precisa ir às ruas

Huff Post
Crianças ficam viciadas em smartphones. ( Foto: Divulgação)
As rápidas mudanças tecnológicas e culturais têm afetado profundamente a maneira como as crianças vivem e passam seu tempo livre. Por motivos diversos, estamos vivendo uma forte redução da atividade que melhor define a infância: o livre brincar.
 
Nossa época é marcada por um processo de redução da infância, de adultização precoce. Uma de suas faces é o que chamamos de "paradigma escolar do desenvolvimento" — a ideia de que crianças só aprendem de adultos, em aulas formais e situações estruturadas.
 
Com isso, as crianças de hoje convivem com o excesso de aulas e tarefas programadas. Nas escolas, cada vez menos recreio, e um currículo que deixa de lado as artes, como música, dança e teatro. As práticas corporais — até mesmo a educação física — são relegadas ao segundo plano. E cada vez mais dever de casa.
Tudo isso num afã de tornar os filhos mais "competitivos" para o temível "mercado de trabalho" que enfrentarão no futuro. Mal sabem os pais que brincando eles poderiam desenvolver habilidades talvez mais importantes para a vida adulta.
 
Por outro lado, com as preocupações com segurança em nossas cidades desiguais e perigosas, com trânsito violento e espaços públicos mal cuidados, o momento de brincar tem se limitado às quatro paredes de casa, onde as crianças perdem o contato com a natureza, tão essencial para sua saúde física, psíquica e social, com benefícios bem demonstrados por inúmeros estudos científicos.

E é claro, para represar essa energia do correr, pular e explorar a pracinha, o parque ou a praia, só mesmo oferecendo a elas o contato permanente com aparelhos eletrônicos.

As tecnologias digitais certamente oferecem boas oportunidades educativas, mas podem reduzir sua capacidade de se autoestimular, de imaginar e criar. O uso excessivo de jogos e dispositivos digitais pode 'viciar' a criança, reduzindo sua capacidade de concentração, tornando-a dependente de hiperestimulação, prejudicando sua memória, promovendo o sedentarismo e a obesidade, prejudicando o aproveitamento escolar e o sono.

Hoje em dia, crianças do mundo inteiro passam muito menos tempo desfrutando de brincadeiras ao ar livre do que as gerações anteriores — 75% delas apenas até uma hora, menos do que a maioria dos presidiários.

Por outro lado, ficam hoje em dia 50% mais tempo com dispositivos em telas dentro de casa do que brincando. No total, 4 em cada 5 pais (80%) dizem que seus filhos preferem jogar esportes virtuais do que esportes ativos na vida real. E mais de 40% dizem que seus filhos precisam de mais brincadeiras ao ar livre.

Esses são alguns fatos apontados por pesquisa encomendada por Omo e coordenada por um comitê internacional presidido por Sir Ken Robinson, um dos mais importantes educadores da atualidade, e que chamam a atenção para hábitos que geram prejuízos até a idade adulta.

As crianças nunca tiveram uma rotina tão programada, tão cheia de atividades — que tem até o objetivo de ajudá-las a aprender, competir e conquistar, mas que são atividades realizadas à custa da brincadeira ativa.

Muitas famílias promovem o uso de jogos digitais educativos, como os que ensinam codificação básica e programação, acreditando que vão preparar seus filhos para um futuro dominado por tecnologias digitais e baseado em telas. Mas nesse futuro também será exigida a criatividade, a capacidade de criar conteúdo, que são habilidades adquiridas em experiências reais e longe das telas, e que a brincadeira livre pode oferecer.

E a redução do brincar pode trazer enormes prejuízos para a saúde física, mental e emocional das crianças que se estendem até a vida adulta, prejudicando a sociedade como um todo.

O brincar autorregulado, não supervisionado e não estruturado oferece oportunidades únicas de desenvolvimento. É brincando que se consegue explorar o mundo com curiosidade, cultivar sua coragem, imaginação e criatividade.

A automotivação é outra habilidade fundamental desenvolvida pelo brincar. É por meio de experiências ativas e multissensoriais no mundo real que as crianças aprendem mais sobre si mesmas, sobre relacionamentos e o mundo à sua volta.

É brincando que elas começam a cultivar habilidades emocionais e sociais, como a empatia, a capacidade de negociação, de adesão a regras, de conviver em grupo. Ou seja, brincar é um caminho essencial para que as crianças sejam felizes, saudáveis, e atinjam bem-estar e desenvolvimento plenos.

Claro que esse brincar deve se dar num contexto de garantia de direitos básicos, como segurança, nutrição e moradia adequadas, do afeto e carinho da família, de uma sociedade que coloque a infância no lugar de prioridade absoluta.

No dia 17 de maio aconteceu o Dia de Aprender Brincando. Esta é uma iniciativa global de Omo em parceria com a Cidade Escola Aprendiz que, desde 2015, buscar estimular pais, educadores e crianças a mudar essa realidade preocupante e iniciar um diálogo global sobre a importância do brincar. Neste ano, no Brasil, mais de 1.300 escolas públicas e particulares participaram, com mais de 250 mil crianças envolvidas. Educadores de todo o País levaram seus alunos e alunas para brincar e aprender ao ar livre, ter contato com a natureza, viver a plenitude da infância e aprender habilidades que só o brincar pode oferecer.

Iniciativas como essa, juntamente com outras ao redor do mundo, como Active Learning Initiative, o Projeto HundrED, ou a Semana Mundial do Brincar, da Aliança pela Infância, se tornam cada vez mais necessárias hoje em dia. Ações realizadas por coletivos de vizinhança e de famílias, por ativistas em defesa da infância e por políticas públicas em muitas cidades do Brasil e do mundo mostram que estamos em plena expansão.

Um dos movimentos mais importante dos nossos tempos é a ideia do brincar como fundamental para a infância e para a vida, do usufruto da natureza e dos espaços públicos para todas as crianças, de todas as origens, classes e territórios, o envolvimento das escolas na promoção da brincadeira, a humanização das cidades e a sua ocupação por crianças e famílias.

Vamos permitir que nossos filhos e filhas possam brincar livremente, explorando a natureza, se sujando, aprendendo, crescendo, se encontrando, interagindo e se maravilhando. Eles serão mais felizes, e nossas cidades se tornarão mais justas, amorosas e sustentáveis. E assim, nossa humanidade, quem sabe, poderá ainda aspirar a um longo tempo de permanência nesse delicioso planeta azul.
 

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