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09/04/2018 às 10h00min - Atualizada em 09/04/2018 às 10h00min

Como o desperdício de alimentos afeta o Brasil e o seu bolso

Brasil está entre os 10 principais países que mais desperdiçam comida.

Huff Post
Foto: Divulgação
Todos os anos, cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas ou perdidas em todo o mundo. Ou seja, cerca de um terço de tudo que produzimos acaba na lata do lixo.
 
No Brasil, só os supermercados perderam em faturamento R$ 7,11 bilhões em alimentos descartados em 2016, de acordo com a Abras (Associação Brasileira de Supermercados). Estima-se, no entanto, que em toda cadeia produtiva (campo, indústria, varejo e o consumidor) este valor seja ainda maior.
 
Anualmente, o País descarta cerca de 41 mil toneladas de alimentos, o que o coloca entre os 10 principais países que mais desperdiçam comida, de acordo com Viviane Romeiro, coordenadora de Mudanças Climáticas do World Resources Institute (WRI) Brasil à Agência Brasil em 2016.
 
Entre os produtos, frutas, hortaliças, raízes e tubérculos são os mais descartados: quase metade do que é colhido é jogado fora, segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Entre cereais, o desperdício é de 30%. Entre os pescados, carne de gado e produtos lácteos, o descarte chega a ser de 20%.

Por que desperdiçamos tanta comida boa?

Os dados dimensionam o tamanho do problema que o mundo e o Brasil enfrentam, mas o desperdício vai além. O descarte permeia todos os pontos da cadeia -- ele passa pelo campo, indústria, logística, varejo e termina no consumidor.

"Enfrentamos, sobretudo, um desafio estrutural, na cadeia de distribuição, e o desafio comportamental, do consumidor", disse ao HuffPost Brasil Alcione Silva, que faz parte do comitê da rede Save Food Brasil, iniciativa da ONU (Organização das Nações Unidas) e parceiros para encontrar soluções ao desperdício de alimento no mundo. O projeto, que nasceu e 2011 na Europa, veio ao Brasil no final de 2016.

"O maior problema no Brasil está na logística de armazenagem e transporte", disse o presidente da Sociedade Nacional da Agricultura (SNA), Antonio Alvarenga. "Nossa infraestrutura de transporte é lastimável e acarreta grandes perdas de produtos, com elevados prejuízos para os produtores. Nossa capacidade de armazenagem também é deficiente, sobretudo nas unidades de produção."

O presidente da SNA cita o Mato Grosso como exemplo. O estado é o maior produtor de grãos nacional, mas ainda não dispõe de uma malha rodoviária, hidrovias e ferrovias adequadas. "Obviamente que quanto mais distante as áreas de produção estiverem dos portos e das industrias de processamento, maiores serão as perdas."

Já no campo, as condições climáticas, como chuvas e geadas, prejudicam os processos de colheita. "Os médios e grandes produtores já utilizam maquinário moderno e eficiente, ou seja não há grande perda de produtos", acrescenta Alvarenga.

A produção, no entanto, não é a única "vilã".

"O consumidor é muito exigente em relação à estética dos alimentos. Ele rejeita aquela fruta ou legume feio, que está um pouco escurinho, mas pode ser consumido normalmente", disse Silva, da Rede Save Food Brasil. Isso não só acarreta no descarte após avaliação do consumidor, mas também antes mesmo de chegar até ele. Afinal, se o empresário já sabe que estes produtos não serão vendidos, ele repassa tal exigência aos produtores, e assim continua a cadeia do "desperdício".

Além disso, a cultura da "fartura" brasileira também agrava o problema. "Temos a cultura da abundância, da mesa farta, e não somos acostumados a calcular bem o que compramos para não desperdiçar nada. O resultado é que mandamos muita comida boa para o lixo", diz Silva.

As consequências do desperdício

De acordo com o representante da FAO no Brasil, Allan Boujanic, o descarte de 30% de tudo do que é produzido gera um prejuízo econômico de cerca de US$ 940 bilhões por ano, ou cerca de R$ 3 trilhões.

"As perdas existem em vários aspectos", reitera Alcione Silva, do Save Food Brasil. Na América Latina, as 127 milhões de toneladas desperdiçadas por ano poderiam alimentar 36 milhões de pessoas. Em países desenvolvidos, os alimentos perdidos poderiam alimentar cerca de 200 milhões de pessoas.

Além das calorias e nutrientes, são desperdiçados valores ambientais, sociais e culturais. "Utilizamos água, energia, terra, logística, trabalho, diversos recursos. E tudo isso é jogado fora", afirma Silva. Por outro lado, existem mais de 7,2 milhões de pessoas são afetadas pelo problema da fome no Brasil.

O que estamos fazendo (e o que pode ser feito)

Para Silva, não há dúvidas de que há muito o que se fazer para frear o desperdício e otimizar a produção e venda. Porém, muita coisa já foi pensada.

Um exemplo, segundo Silva, foi a criação das famosas maçãs da Turma da Mônica. Por serem pequenas demais para o "gosto dos brasileiros", elas eram descartadas ou vendidas a preço muito menor que as demais maçãs, grandes e bem vermelhas. A solução do comércio foi vincular a pequena fruta ao público infantil -- estampando personagens que relacionam com as crianças. Foi então que surgiu as maçãs da Turma da Mônica, pequenas e suculentas -- e hoje, até mais caras que as outras.

Já os supermercados também firmaram parcerias contra o desperdício. O Grupo GPA, dono do Pão de Açúcar, Extra e do Assaí, tem um programa "Parceria contra o desperdício", que consiste na doação de produtos que, embora não estejam esteticamente adequados, podem ser consumidos com segurança. Outra ação é desconto de até 40% em alimentos que estão próximos do vencimento, agrupados em gôndolas especiais.

O Carrefour lançou no final do ano passado o programa "Únicos", que oferece frutas e legumes considerados "feios" com descontos a partir de 30%.

As iniciativas não partem só do setor privado. Assim como a própria Save Food Brasil, que trabalha junto com empresários, produtores e governo para buscar alternativas para reduzir a perda, existem diversas iniciativas, redes e ONGs que estimulam a doação de produtos que seriam descartados.

Um destes é o aplicativo "Comida Invisível", mais conhecido como o "Tinder da comida". O app conecta quem tem comida sobrando com quem precisa dela.

O doador, que pode ser restaurantes, supermercados, hotéis, buffets e bares, se registra, oferece seus produtos para doação, desde que estejam dentro da data de validade, e espera o interesse de entidades que distribuem ou preparam comida. Elas, por sua vez, navegam no mapa disponível no app e buscam os alimentos nos locais mais próximos. Se os dois derem "match", ou seja, aceitarem o acordo, o app mostra onde o alimento deve ser retirado.

"Existem diversas iniciativas boas, mas temos outras milhões de oportunidades", avalia Silva, da Save Food. Ela lembra que o consumidor tem um papel fundamental não só em casa, combatendo o próprio desperdício, mas também na cobrança por mais práticas sustentáveis.

"Temos um papel importantíssimo de cobrança, de saber mais o que o supermercado que frequentamos faz com as comidas no final do dia. Cada vez mais o Brasil está caminhando para a transparência alimentar, que está relacionada a toda a cadeia: de onde veio o alimento e para onde ele vai no final do dia?", questionou.

Na opinião de Antonio Alvarenga, presidente da SNA, ainda é preciso investir na infraestrutura voltada para o agronegócio e uma política nacional que regule iniciativas de combate ao desperdício. "Trata-se de um investimento que traz grande retorno para o País."

Alvarenga cita a campanha "Sem Desperdício", lançada pela Embrapa há cerca de dois anos com o objetivo de conscientizar produtores e consumidores sobre o tema. "Tem sido realizadas discussões sobre estratégias e instrumentos voltados para a indústria, o varejo e o consumidor. Tudo isso contribui, cada vez mais, para uma maior produtividade, menor desperdícios e melhor aproveitamento dos alimentos."

A conscientização sobre o desperdício de alimentos não só interfere no meio ambiente, mas também em toda a sociedade -- inclusive no seu bolso. O descarte gera prejuízo para produtores e varejistas, e é claro que essa margem de perdas é repassada para nós, consumidores.

Sem dúvida, quem paga essa conta é a gente. Em longo prazo, reduzir o desperdício também reduzirá o custo da produção, e isso significa acesso a alimentos mais baratos.
 

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