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26/12/2018 às 16h34min - Atualizada em 26/12/2018 às 16h34min

Escravos de Cuba

Vladimir Polízio
Especialmente para o Ata News
A escravidão negra foi abolida na ilha de Fidel em 1886, sendo reestabelecida neste século sem distinguir negros e brancos. Prova disso são os médicos exportados como mercadoria para 35 países, com destaque para robustas e sólidas democracias como Venezuela, Catar, Arábia Saudita, China, Argélia , constituindo importante fonte de divisas para a manutenção da ditadura cubana. A incipiente exclusão do Brasil dessa lista de exploradores de mão de obra escrava é motivo de alívio, pois constituía exemplo gritante de violação aos princípios fundamentais estabelecidos na Constituição de 1988 de cidadania e de dignidade da pessoa humana.

Estranhamente, não me recordo de nenhuma entidade de defesa dos direitos humanos levantar-se contra contrato no qual o Brasil pagava certo valor pelos serviços de um médico e ¾ dessa quantia ficava com o governo de Cuba.

Tampouco o impedimento vexado desses trabalhadores cubanos de trazerem suas famílias para perto ou mesmo de buscar asilo político sensibilizaram os supostos defensores das minorias e da diversidade, pois se não bastasse a escorchante violação aos fundamentos da República Federativa do Brasil, a lei infraconstitucional também é flagrantemente atingida, já que o art. 149 do Código Penal elenca uma série de situações que, se presentes, tipificam o que se denomina “situação análoga à de escravo” com reclusão de 2 a 8 anos.

O resultado desse absurdo jurídico, como sempre, repercute no bolso contribuinte, pois muitos cubanos estão buscando no Judiciário a condenação do Estado Brasileiro por danos materiais (a diferença entre o que receberam e o que deveriam ter recebido) e morais (pelo sofrimento de terem de trabalhar mais que um médico brasileiro ganhando menos, pela conivência com as cláusulas abusivas do contrato firmado com a ditadura cubana etc), e várias foram as sentenças favoráveis até o momento. 

Talvez o único ângulo positivo da questão dos médicos caribenhos seja descortinar problemas graves da nossa frágil democracia, como a possibilidade de o Chefe do Executivo forjar acordos internacionais com instituições aparentemente idôneas para evitar a transparência ao Legislativo, a falta de diafaneidade nas ações do Estado como regra geral, a ausência de instituições fortes o suficiente para se contrapor tempestivamente à prática de condutas inapropriadas ou, no mínimo, de duvidosa idoneidade.

Ademais, a própria denominação do programa, “mais médicos”, sempre foi de cunho evidentemente marqueteiro e sem compromisso com a premissa constitucional sobre a saúde preconizada no art. 196 da Constituição.
Primeiro porque os médicos cubanos não passaram pelo processo de revalidação nacional, ou seja, eram médicos com ressalvas, pois não podiam atuar em qualquer hospital ou mesmo em consultório particular. E como esses profissionais atuavam na rede pública, era como se nosso governo deixasse claro aos milhões de brasileiros que não possuem planos de saúde que o importante era a aparência de haver médico, pouco importando se o profissional teria ou não capacidade e aptidão para o exercício de tão nobre 

  Médicos cubanos estão em 62 países e são maior fonte de divisas.

atividade. Depois porque de muito se revela, aqui e ali, a precariedade dos hospitais públicos, com macas nos corredores e falta de equipamentos e materiais básicos, como aparelho de raios-X, luvas, seringas, agulhas, soro, sem falar na demora na realização de procedimentos cirúrgicos; esses problemas simplesmente foram ignorados pelo famigerado programa federal. A saúde é séria demais para ser tratada como simples instrumento de propaganda. 

Se por um lado falta um plano de carreira adequado para levar o médico regularmente habilitado para os rincões do Brasil, por outro há um contrassenso gritante ao ver que cubanos do “mais médicos” atendiam em grandes centros, como São Paulo, Rio de Janeiro e noutros tantos municípios com excelente qualidade de vida.

Será que nesses municípios as vagas surgiram por falta de candidatos devidamente habilitados e aptos para o exercício da medicina? Creio que não. O que falta é gestão séria e eficiente na saúde pública. Um bom exemplo é o caso de Jundiaí/SP, considerada pelo IDH como 9ª melhor cidade para se viver: embora haja uma faculdade de medicina autarquia municipal, mão de obra escrava cubana era utilizada em algumas unidades de saúde da periferia.

Ora, se a faculdade de medicina é uma autarquia, e portanto subsidiada com recursos do erário, não seria razoável, por exemplo, aproximar o valor cobrado de mensalidade para aquele praticado pelo mercado e facultar ao aluno a possibilidade de, caso não quisesse adimplir regularmente com as mensalidades, prestar serviço durante um determinado tempo depois de formado, em unidades municipais de saúde,  a fim de quitar o custo do curso? O aluno ganharia, pois mesmo aquele que não possuísse condições de arcar com os atuais quase R$ 6 mil mensais teria possibilidade de estudar medicina em Jundiaí, e a cidade também ganharia, pois veria atuando na rede pública excelentes profissionais recém-formados, cheios de gana e vontade de aplicar os conhecimentos adquiridos. Enfim, soluções existem. O que falta é vontade política para implantá-las. Viva Cuba!

Vladimir Polízio Júnior, 48 anos, jornalista, é advogado, mestre e doutor em Direito pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina, e pós-doutorando em Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, Portugal. Autor, dentre outros, de Novo Código Florestal, pela ed. Rideel, e Lei de Acesso à Informação, pela ed. Juruá.   
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