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20/04/2020 às 11h59min - Atualizada em 20/04/2020 às 11h59min

Liberdades individuais podem ser restringidas?

Estado democrático

Não há dúvida que o Brasil é um Estado Democrático de Direito fundamentado na dignidade da pessoa humana, na cidadania, na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na promoção do bem de todos, sem discriminação de origem, raça, sexo, cor, idade, na crença de que todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos nacionais e estrangeiros, indistintamente, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, como sacramenta a Constituição Federal de 1988. Ainda assim, nenhum direito é absoluto. Isso resulta que qualquer direito, mesmo os fundamentais e estruturantes, podem ser relativizados. E a justificativa é simples: quando dois direitos de equivalente grandeza conflitam, é importante sopesar qual, diante de uma situação concreta, possui maior valor.

Assim, o direito à vida é relativizado com a autorização da pena de morte em caso de guerra, para o aborto de anencefálicos, da vítima de estupro ou salvar a vida da gestante. O direito à igualdade, quando da reserva de vagas em concursos públicos ou para ingresso nas universidades, da mesma forma que o da propriedade, limitado pela observância de sua função social e pelas hipóteses que autorizam desapropriação ou usucapião.

Nestes tempos de pandemia mundial pelo Coronavírus Covid-19, principalmente quando estudos apontam que distanciamento social constitui forte instrumento para reduzir a propagação da enfermidade, no confronto entre liberdades individuais e com direitos coletivos, prevalece a proteção da sociedade em sentido amplo. E na falta de disposições protetivas federais, estados e municípios podem, e devem, editar normas que resguardem o interesse de sua população.

Nesse sentido a deliberação do Supremo Tribunal Federal –STF– na última quarta-feira, quando ratificou decisão proferida anteriormente pelo min. Marco Aurélio sobre a constitucionalidade da Lei nº 13.979/2020, a qual, interpretada conforme a Constituição, entenderam os ministros, permite que estados e municípios, por força da autonomia como entes da Federação e no exercício da competência concorrente, estabeleçam, ao lado da União, medidas de combate ao coronavírus. Na verdade, o art. 268 do Código Penal já previa a possibilidade de estados e municípios descreverem condutas que representassem risco para a incolumidade pública.

Daí que monitoramento de telefone móvel durante a pandemia ou detenção por violação às regras de isolamento constituem medidas absolutamente constitucionais, seguramente respaldadas em nosso ordenamento, pois entre o interesse individual de privacidade ou a liberdade também individual de ir, vir e ficar, sobrepõe-se de forma plena e inconteste a proteção de todos contra a proliferação do vírus.

Não por acaso o STF referendou, no último dia 8, nos termos do voto do min. Alexandre de Moraes, que estados e municípios são competentes, “cada qual no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras”, proibindo a União de realizar qualquer conduta em sentido contrário.

Vladimir Polízio Júnior, 49 anos, é jornalista, advogado, Mestre em Direito Processual Constitucional e Doutor em Direito pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina, e Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de Coimbra, Portugal. Autor, dentre outros, de Novo Código Florestal, pela ed. Rideel, e Lei de Acesso à Informação, pela ed. Juruá. Contato: [email protected]
 

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