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19/11/2020 às 08h27min - Atualizada em 19/11/2020 às 08h27min

Estudante de Araçatuba fica em 2º lugar em prêmio internacional com texto sobre pandemia

Portal LR1
Foto: Reprodução LR1
Qual o papel que ocupamos no contexto da pandemia? O que mudou na nossa vida? Não são poucas as pessoas que, desde março, quando o mundo parou por causa do novo coronavírus, procuram respostas diariamente para essas perguntas. Um estudante de Araçatuba, por sua vez, resolveu colocar no papel suas reflexões sobre essas questões e, literalmente, voou longe. Com o texto “Canarinho”, Fernando Trevisolli de Britto, de 15 anos, foi finalista do Prêmio Literário Filo-Lisboa 2020, de Portugal, que teve como tema “Crise Pandêmica: Quem sou eu neste novo mundo?”. Ele ficou em segundo lugar na votação do público, ocorrida pela internet entre os dias 13 e 15 de novembro. O garoto concorreu na categoria juvenil.

O concurso recebeu participantes de diferentes países que falam a língua portuguesa. Os trabalhos tiveram como júri representantes das universidades de Lisboa, Nova de Lisboa, Coimbra e do Porto, do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave. O objetivo foi promover uma reflexão sobre a crise pandêmica. Na modalidade em que Fernando se inscreveu – denominada “Escolha do Público”, os candidatos só poderiam participar com pseudônimos a fim de evitar escolhas por grau de proximidade. Era permitido um voto por pessoa.

Os ganhadores tiveram seus textos divulgados na página do prêmio e receberão diplomas, que serão enviados por correio. Fernando ainda terá sua redação publicada em um e-book de distribuição gratuita. O prêmio foi um reconhecimento para o jovem que tem no gosto pela leitura e na busca pelo conhecimento algumas de suas paixões. Ele conta que levou uma semana para escrever o texto. Redigiu-o, dividindo o tempo com as aulas remotas – Fernando é estudante do primeiro ano do ensino médio, no Colégio De Angeles, em Araçatuba.

Questionado sobre a inspiração para o título da obra, Fernando diz que pensou em algo que fizesse referência ao Brasil, já que o país seria representado no exterior. Assim, veio a ideia do canarinho, ave conhecida por sua cor amarela e que, por muito tempo, serviu também como apelido para a seleção brasileira de futebol. Fernando fez, então, sua reflexão em um texto no qual procurou desenvolver um misto de narração e dissertação.

A obra não deixa de fazer uma crítica às injustiças sociais tão comuns no Brasil. Em uma das passagens, o estudante primeiranista diz: “Os possuidores do poder vendem seus corpos e suas almas para o gavião listrado de azul e vermelho, o brilho de suas estrelinhas brancas e reluzentes como ouro os atrai mais que os gritos de dor provenientes do povo. Alguns de nós são silenciosos, pois sabem que se gritassem só gastariam saliva, porque, por essas bandas, a voz do povo não é a voz de Deus”.

QUER MAIS

Ontem, Fernando visitou a Academia Araçatubense de Letras, onde recebeu de escritores da cidade os cumprimentos por sua conquista. Na visita, ganhou ainda livros de presente.

Ao falar com a reportagem de O LIBERAL REGIONAL durante a visita Fernando diz que soube do concurso em Portugal pela internet. Agora, o jovem sonha alto com o mundo das letras. O filho de David Fernando de Britto e Silvia Letícia Trevisolli Britto quer participar de mais concursos literários. “Sempre me inteirei sobre assuntos relacionados à literatura e estava querendo participar de algum concurso que envolvesse literatura, humanas, língua portuguesa, redação etc. São áreas que me interessam bastante”, afirmou. “Eu sempre gostei de uma literatura mais filosófica e de ler histórias medievais”, completa o jovem. “Foi o primeiro concurso que participei e a experiência foi muito legal. Por isso, quero mais”, finalizou.

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TEXTO VENCEDOR

O Canarinho
 
Pensei muito antes de escrever este texto, pois, a realidade, é que não sei ao certo quem eu sou, principalmente nesse “novo mundo”.

A medida em que fui refletindo, sozinho, durante esse período, tornei-me, deixei de ser e notei que fui diversas pessoas. Vivo como todos, amo como todos, sou controlado e abandonado pelo sistema como todos, pois para eles não sou ninguém, para eles sou apenas um número dentre milhares de outros, assim como a idosa da rua de trás -ela vendia artesanatos para sustentar a filha com deficiência mental – acho que ela nunca teve a oportunidade de sair da cidade, era analfabeta, só sabia escrever o nome, pobre senhora, mas mulheres como essa são comuns por aqui- que foi morta pelo vírus enquanto esperava por um respirador na fila do hospital.

Entretanto, existem algumas coisas nas quais eu tenho certeza sobre mim, ou pelo menos finjo acreditar para ter uma vida mais leve. Sou um rapaz latino-americano que busca um lugar em um mundo controlado por aqueles que o repugnam, tentando transformar, aos poucos, a solidão em solitude, o comodismo em atitude e, finalmente, o rancor em perdão, este para aqueles que fazem o mal ou são indiferentes a ele.

Chove lá fora, as árvores e as flores foram molhadas, talvez o verde se mostre amanhã de manhã e o fogo que assola as florestas tera cessado para que, assim, se torne mais fácil para os que ali habitam conseguirem encontrar suas próprias filosofias e talvez a vida deles se torne mais vivida e justa, porque saberiam dos seus direitos.

Contando que existem 200 milhões de pessoas no meu país e, dentre essas, 58 milhões vivem abaixo da linha de pobreza, tenha a certeza que esses são os que mais sofrem pela falta de oportunidade. Caro leitor, compreenda, seja você europeu ou não, a genialidade é assassinada em terras tupiniquins, por aqui, a alma morre antes do corpo, ainda que o corpo não tarde a morrer depois que as mãos não podem mais servir.

Constata-se perante a lógica que o COVID-19 é um dentre os simultâneos e quase infinitos desafios que o Brasil e todos os países de terceiro mundo estão enfrentando. Nossos governantes abrem as lojas, as badaladas baladas das cidades, abrem, também, as praias para o turismo, sim, nenhum deles se importam, não verdadeiramente. Os possuidores do poder vendem seus corpos e suas almas para o gavião listrado de azul e vermelho, o brilho de suas estrelinhas brancas e reluzentes como ouro os atrai mais que os gritos de dor provenientes do povo. Alguns de nós são silenciosos, pois sabem que se gritassem só gastariam saliva, porque, por essas bandas, a voz do povo não é a voz de Deus.

Apesar disso, tento continuar lutando, provavelmente minha juventude e minha falta de experiência no jogo da vida me dá a sensação de que conseguirei mudar o mundo, mas no fundo minha maturidade sussurra que não é tão simples assim. Ando entre a doce criancice e a salgada vida adulta, vou de extremos dentre elas, não consigo me equilibrar, minha boca se confunde com os sabores, às vezes um é identificado, de vez em nunca outro, assim eu vou indo, jogado de um lado para o outro nesse restaurante da vida, sem saber qual prato é mais adequado para a ocasião.

Na sacada, depois da chuva, um canarinho canta, com suas penas amarelas e sua voz de sobrevivente, pergunto-me se ele sabe quem é, porém, é claro que ele não sabe, pois o saber é apenas uma ilusão criada pelos homens. Possuímos a necessidade de definir coisas, pessoas, animais, ao dizer um nome já definimos muitas coisas de uma vez, porém qual origem dessa nossa carência ? A resposta é simples, basta olharmos para fora da janela do mundo para conseguirmos a resposta.

À medida que olhamos para fora da janela que nos dá vista para a vastidão e esplendor do universo, conseguimos observar que somos pequenos. Essa certeza veio até mim durante esse período de isolamento, confesso que no começo ela me abateu como uma onda forte, contudo, após um tempo, me veio o alívio de saber que não preciso saber de nada, definir nada, julgar nada, porque tudo aquilo que suponho não é real, somente uma convicção criada pela mente. Concebemos nomes, damos funções, separamos por dinheiro, entretanto, no fim, isso esconde o maior ponto fraco da humanidade.

Esse é o saber incerto que tudo um dia desaparecerá, a certeza oculta que nada nos pertence e, principalmente, que em algum instante o universo irá fechar sobre todos nós a sua boca-sem distinguir dinheiro, raça ou religião-e cairemos no esquecimento eterno, sem identidade e , nem mesmo, história, pois finalmente terá tido um fim. Isso me conforta, visto que, agora, sei que todos, no íntimo, somos semelhantes como grãos de areia em uma vasta praia.

Ainda que sejamos quase nada em comparação com o todo, somos vários durante nossa vida. É impossível ser o mesmo indivíduo para sempre, porque temos fases, mudanças comportamentais, a cada dia nossas células morrem e nascem novamente, somos pessoas distintas no momento que sorrimos por aqueles que estão ao nosso lado e quando sofremos pelo luto de perder, de forma trágica e negligente, aqueles que amamos. No final de tudo a dor e a experiência nos torna outras pessoas, aprendi isso como luto.

“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se encontra novamente, não se encontra as mesmas águas e o próprio ser já se modificou… Portanto o real é fruto da mudança, ou seja, do combate entre contrários”, com toda certeza essa é uma das frases que mais exprime meus pensamentos, faço das ideias de seu filósofo e criador, Heráclito, semelhantes às minhas. Adentrando, mais especificamente, no tema proposto eu creio que essa experiência de pandemia fez com que o mundo que conhecíamos desaparecesse e desse espaço para um novo.

Talvez esse novo mundo esteja vindo acompanhado de uma vasta força e sentimento de revolução. Muitos acreditam que pandemias são uns dos eventos que mais alteram o mundo, tenho que concordar. É impossível prever o que ainda está por vir, seja no meu país ou em outro, o futuro é incerto, porém escuto vozes de revolução em todos os cantos, vidas foram deixadas para morrer, a mídia se alterou para se transformar em algo novo e as máscaras daqueles que possuíam a ignorância disfarçada de conhecimento caíram, sim, vivemos em um novo mundo. Nesse novo planeta, em muitos instantes, sinto que me tornei um alienígena com duas grandes antenas na cabeça alertando para os demais que não sou daqui, uma nave espacial quebrada avisa a minha queda, ela está atrás de mim, busco peças para consertá-la, com muito esforço eu consigo, mas logo depois descobri que meu planeta tinha sido destruído pelo o esquecimento e aquele seria o meu novo lar.

Quando mudanças veem temos a chance de alterar nossos atos e ações , apesar de eu acreditar que essa mudança seja inevitável, dada a tese desenvolvida neste texto, em algumas melhoramos e em outras decaímos, depende do indivíduo e das suas reações. O fim e as dificuldades são uma grande oportunidade de agradecer pelo que temos no aqui e agora. Normalmente, costumamos reclamar por aquilo que nos falta, todavia, em algumas situações aprendemos que a verdadeira paz não está em uma casa de três andares ou em um grande cargo na empresa e sim dentro de você.

No entanto, a paz não é eterna, seria uma ilusão acreditar que ela é, pois se fosse não seria o mundo real, existem coisas e pessoas que nos desestabilizam e nesses momentos, apesar de nossas fragilidades, temos que avançar. A paz é um estado de espírito, assim como o caos, no final, momentos sem ela são importantes, porque se não conhecêssemos a escuridão nunca iríamos conseguir identificar a luz.

A principal diferença entre uma pessoa boa e uma pessoa má não é a falta do erro, mas sim o que elas fazem perante ele. Vergonhoso é aquele que erra e não assume seu erro, pois um erro não te define, no entanto o que você faz após seus atos maléficos definem a sua índole.

A afirmação de saber que nem em todos os dias tomaremos decisões boas e benéficas ao todo, me comove e me abraça, dado que libero do meu corpo e do meu espírito a busca exacerbada pela perfeição. Finalmente descubro que essa crença de que precisamos alcançar o ideal não é nada mais que um reflexo da mais pura imperfeição humana. Existe um trecho de um dos poemas de Florbela Espanca que me define muito, principalmente em períodos de metamorfose e crise, este é: “E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada Que seja a minha noite uma alvorada, Que eu saiba me perder… para me encontrar…”

Sou jovem, mas já me perdi muito, experimentei várias faces de mim, já presenciei muitas alvoradas negras como o fim e tenho a certeza que verei muitas outras.

Porém, saber que esse é apenas o início da minha trajetória no tabuleiro da vida me conforta, dado que ainda tenho que descobrir muito dela, das suas amarguras e aconchegos.

No entanto, uma coisa é certa na minha infinita incerteza sobretudo, essa crise pandêmica me confirmou mais isso, a vida é dura e árdua em qualquer continente, claro que em alguns mais e em outros menos, porém é boa de se viver em qualquer lugar.

O canarinho continua cantando na janela, ali, mesmo que por um breve momento, sinto a paz de saber que não é possível compreender completamente quem eu sou, pois isso é irrelevante para o amanhã e indiferente para a vida.

 
*matéria cedida pelo Portal LR1

 
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