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25/06/2020 às 16h45min - Atualizada em 25/06/2020 às 16h45min

Coronavírus: como a ansiedade na quarentena afeta sua concentração

Está com dificuldade para se concentrar? Você não está sozinho ou sozinha

BBC
A memória de trabalho está intimamente relacionada à atenção. Você está se concentrando em alguma tarefa, algum objetivo ou comportamento que deseja realizar

Nós todos conhecemos a sensação: você entra em uma sala com um objetivo e depois para, confuso e um pouco desconectado, percebendo que esqueceu completamente o motivo de estar lá.

Em 2011, pesquisadores da Universidade Notre Dame procuraram descobrir o motivo. Eles apontaram que foi o ato de passar pela porta que causou a amnésia instantânea.

O cérebro, segundo o estudo deles, é projetado para armazenar apenas certa quantidade de informações de uma só vez, e uma mudança de local funciona como um gatilho para liberar alguns dados para dar espaço a mais.

Desde o início da disseminação do coronavírus, tenho tido essa sensação de esquecer por que estou estou na cozinha dezenas de vezes por dia.

Na verdade, estou achando quase impossível me concentrar em qualquer coisa. Não consigo manter um número de telefone na cabeça o tempo suficiente para discar e levo uma eternidade para escrever um e-mail simples. Começo uma tarefa e leva apenas alguns minutos para me distrair. Minha produtividade caiu.

Eu não estou sozinha. Quase todas as pessoas às quais mencionei meu novo problema estão lidando com questões semelhantes: de repente, é preciso um esforço hercúleo para que qualquer coisa seja feita. "Estou incrivelmente ocupado", disse um amigo escritor recentemente, "apenas lavando pratos e fazendo caminhadas".

Concentração

Designer gráfica trabalhando em duas telas, tentando se concentrar.

Designer gráfica trabalhando em duas telas, tentando se concentrar.


Uma situação estressante prolongada pode fazer com que tarefas simples pareçam mais difíceis do que costumavam ser

O que está acontecendo é um mau funcionamento da chamada memória de trabalho: a capacidade de captar as informações recebidas, transformá-las em um pensamento coeso e mantê-las por tempo suficiente para fazer o que você precisa.

"Pense nisso como a plataforma mental para nossas operações cognitivas, para o que estamos pensando agora", diz Matti Laine, professor de psicologia da Universidade Åbo Akademi, na Finlândia.

"A memória de trabalho está intimamente relacionada à atenção. Você está se concentrando em alguma tarefa, algum objetivo ou comportamento que deseja realizar", acrescenta.

Em outras palavras, a memória de trabalho é a capacidade de raciocinar em tempo real, e é uma grande parte do que torna o cérebro humano tão poderoso.

Mas a pesquisa mostrou que mudança rápida nas circunstâncias, preocupações e ansiedade podem ter um impacto significativo na sua capacidade de concentração.

"Muito antes da pandemia, concluímos um estudo online com um grande grupo de adultos americanos que preencheram questionários de auto-avaliação", diz Laine. "Vimos uma tendência de um relacionamento negativo entre ansiedade e memória de trabalho. Quanto maior a ansiedade, menor o desempenho da memória de trabalho".

Quando você tem uma experiência aguda de ansiedade, com alguém andando atrás de você no seu caminho de casa no escuro, você pode ter problemas para lembrar os detalhes do rosto dele.

Uma situação estressante prolongada também pode devastar a memória de trabalho, fazendo com que até as tarefas mais simples pareçam mais difíceis do que costumavam ser.

"Estamos falando de ansiedade e estresse que não são agudos", diz Laine. "Está relacionado a um futuro profundamente incerto. Você não sabe até quando vai continuar assim. Ninguém sabe. Isso está nos levando a uma situação de ansiedade mais crônica".

Mulher na cama, olhando para o smartphone em vez de dormir.

Mulher na cama, olhando para o smartphone em vez de dormir.


A falta de sono 'destrói' sua memória de trabalho, diz Oliver Robinson, da University College London.

Ao coletar dados para um estudo ainda não publicado sobre treinamento em memória operacional nesta primavera, Laine diz que ele e sua equipe perguntaram a cerca de 200 pessoas do Reino Unido e da América do Norte se elas tinham ansiedade relacionada especificamente à pandemia.

"Adicionamos uma pergunta sobre a ansiedade relacionada à pandemia porque estava presente em todas as notícias", diz Laine.

"Pedimos às pessoas que relatassem seus níveis de ansiedade em uma escala de zero a dez, sendo dez 'preocupação constante e que interfere na atividade diária'. O valor médio, que eu acho bastante alto, foi de cerca de 5,6".

Problemas no sono
Além disso, Laine diz que esses números mostraram uma correlação clara entre a ansiedade relacionada à pandemia e a diminuição do desempenho da memória de trabalho, embora possa haver vários mecanismos diferentes de como a ansiedade, relacionada à pandemia ou não, interrompe a função cognitiva.

"Há uma ideia de que de alguma forma isso consome sua capacidade", diz ele. "Quando você está ansioso, sua cabeça está cheia desses pensamentos e seu cérebro, de alguma forma, é tendencioso e presta mais atenção às coisas negativas."

A ansiedade prolongada também pode causar insônia, explica Oliver Robinson, do Instituto de Neurociência Cognitiva da University College London. "A falta de sono é uma forte maneira de prejudicar a memória de trabalho", diz ele. "Se você não está dormindo também, isso é uma maneira de destruí-la."

Mesmo se você não estiver explicitamente ciente de que está mais preocupado, "é algo que você está processando", acrescenta Robinson.

Problemas de memória de trabalho também podem ser devidos, em parte, a uma carga cognitiva que está sobrecarregando a capacidade do seu cérebro. Robinson explica que mesmo processos cognitivos simples, como fazer uma lista de compras, agora exigem mais trabalho do cérebro.

"Agora, em vez de pensar 'vou correr para a loja', você está pensando sobre o que precisa, quais lojas estão abertas e se é seguro ir até lá. Digamos que seu cérebro possa executar quatro tarefas de uma vez. Agora, de repente, existem 10, e você não consegue fazer nenhuma delas", diz Robinson.

Ganhos cerebrais?

A boa notícia é que você pode exercitar a memória de trabalho. Existem muitos 'jogos cerebrais' por aí, mas a maioria deles, concordam os especialistas, não faz nada, a não ser torná-lo melhor nesse jogo.

Clientes em fila com distanciamento do lado de fora de uma loja nas Filipinas.

Clientes em fila com distanciamento do lado de fora de uma loja nas Filipinas.


Sair para as lojas costumava ser uma atividade simples, mas desde a covid-19 existem muitas outras etapas no processo que aumentam a ansiedade e a carga mental.

"Jogos de treinamento cognitivo não me fazem melhor em lembrar da minha lista de compras", diz Robinson. "É como tentar treinar as pessoas para jogar tênis fazendo-as correr."

No entanto, um tipo específico de exercício de treinamento, chamado N-back, mostra-se promissor de acordo com alguns estudos. A tarefa N-back é um pouco como o clássico jogo da memória, no qual os jogadores precisam encontrar pares de cartas iguais. Mas, em vez de pares, existe apenas um objeto que se move pelo tabuleiro com desenho de grade. Os jogadores precisam se lembrar da posição do objeto durante um certo número de turnos - 1 para trás, 2 para trás e assim por diante.

É controverso na comunidade de neurociência se de fato esse jogo tem um impacto na vida real, mas algumas rodadas de jogos também podem ajudá-lo a liberar alguma tensão. Afinal, é a ansiedade que está causando o problema e aliviar isso pode ajudar a resolver alguns problemas de foco.

Normalmente, no tratamento terapêutico para ansiedade, "mostramos às pessoas que as coisas não são tão ruins quanto elas pensam que são", diz Robinson.

"Nesse caso, você realmente não pode usar isso. Mas você pode limitar as coisas que fazem você pensar sobre isso."

Em outras palavras, reiniciar sua memória de trabalho também pode significar reduzir o consumo de notícias e dar uma pausa nas redes sociais. Mas a coisa mais eficaz a fazer pode ser simplesmente convencer-se de que não há problema em estar sofrendo com a situação.

"Dar a si mesmo permissão para não estar bem, paradoxalmente, pode melhorar as coisas", diz Robinson. "Você simplesmente não será tão produtivo e não há nada errado em não poder trabalhar com 100% da capacidade: ainda estamos no meio de uma pandemia."
 

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