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10/06/2020 às 11h44min - Atualizada em 10/06/2020 às 11h44min

Vidas importam

OPINIÃO DO LEITOR

Vladimir Polízio Júnior, especial para o AtaNews
Foto: Divulgação
Na madrugada do último 13 de março o apartamento da enfermeira Breonna Taylor foi invadido por policiais, que confundiram o endereço de uma ordem judicial que permite a entrada no imóvel sem aviso. Seu namorado, pensado ser um assalto, efetuou disparos de arma de fogo em direção aos supostos invasores, que responderam com uma saraivada com mais de 20 tiros. O desfecho é que a jovem morreu no local, em sua cama, e o rapaz, ferido, foi preso e acusado por tentativa de homicídio. 

Ainda assim, apenas com a morte de George Floyd, asfixiado por um policial branco por eternos quase nove minutos, em 25 de maio, deflagrou-se uma onda de protestos, inicialmente nos Estados Unidos e agora por todas as latitudes, contra a discriminação. Porque a morte de Breonna, uma mulher negra, por policiais não principiou a mesma irresignação pela morte de Georg, um homem negro, também por policiais, é uma incógnita. Seria discriminação por se mulher? Seria por ter sido a asfixia registrada em mídia e rapidamente divulgada pelas redes sociais?  Pode ser. Mas da mesma forma que a Primavera Árabe, que surgiu no final de 2010 quando um tunisiano ateou fogo no seu próprio corpo, em sinal de protesto pelo confisco de sua barraca de frutas pela polícia e logo acabou transformando-se em um movimento cujo resultado foi a derrocada de inúmeras ditadores do oriente médio e norte da África, existem fatos que, uma vez ocorridos, desencadeiam uma reação cujo desfecho é desconhecido.

No Brasil, uma desastrada e abjeta operação policial em 15/5/2020, na cidade do Rio de Janeiro, resultou na morte de João Pedro Mattos Pinho, com apenas 14 anos de idade, por tiros de fuzil disparados por policiais de um helicóptero. O garoto estava dentro de sua casa, atingida por mais de 70 disparos. Esse fato motivou o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática publicada no último dia 9, a conceder liminar na ADPF 635, determinando que “não se realizem operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia do COVID-19, salvo em hipóteses absolutamente excepcionais”, nas quais deverão ser adotadas “cuidados excepcionais, devidamente identificados por escrito pela autoridade competente, para não colocar em risco ainda maior população”. 

O ministro destacou “que o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Favela Nova Brasília, não apenas pela violação às regras mínimas de uso da força, mas também por não prever protocolos para o uso da força, seja para atestar a necessidade do emprego, seja para fiscalizá-lo.” E com esse precedente, “os fatos recentes tornam ainda mais preocupantes as notícias trazidas sobre a atuação armada do Estado nas comunidades do Rio de Janeiro”, por conta  “da ilegítima quebra de expectativa de que, com a decisão da Corte Interamericana, novas mortes não viessem a ocorrer. Como se sabe, uma das consequências que emerge do reconhecimento da responsabilidade internacional do Estado é a garantia de não-repetição”. 

Os protestos têm razão de acontecer. Vidas de seres humanos importam, sejam de negros ou de não negros, de brancos ou de não brancos, de héteros ou de não héteros e assim por diante.
   
Vladimir Polízio Júnior, 49 anos, é jornalista, advogado, Mestre em Direito Processual Constitucional e Doutor em Direito pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina, e Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal. Autor, dentre outros, de Novo Código Florestal, pela ed. Rideel, e Lei de Acesso à Informação, pela ed. Juruá. Contato: [email protected]

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