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03/03/2020 às 11h51min - Atualizada em 03/03/2020 às 11h51min

Muito prazer, eu sou a bolsa!

Assessoria de Imprensa, Naves Coelho
Foto: Divulgação
O Brasil sempre foi conhecido como o país dos juros altos, dos rentistas e das aplicações no famoso CDI. Desde 2016, o governo brasileiro endereçou algumas reformas estruturais importantes, como a PEC de teto de gastos, a MP da liberdade econômica, a reforma da previdência e a reforma trabalhista.

Brasília (DF), vem encampando uma agenda de ajuste fiscal. Todo esse esforço, combinado com um cenário mundial de juros baixos, ocasionou uma forte redução da taxa básica de juros, a SELIC. Em outubro de 2016 tínhamos uma SELIC de 14,25% e agora, em fevereiro de 2020, atingimos a menor taxa histórica, 4,25%.

Uma SELIC em queda impactou diretamente o rentista brasileiro. O pequeno investidor viu o rendimento de suas aplicações cair drasticamente de 1,11% ao mês, para algo como 0,35% nesse último mês. Para alguém que aplique a 100% do CDI, provavelmente deverá ter rendimento líquido de impostos perto da inflação, apenas. Aplicando a 100% do CDI e descontando o imposto, sobraria 3,61% na melhor das hipóteses, contra 3,50% de inflação projetada.

Essa nova realidade não é novidade para ninguém. Os jornais, revistas e noticiários e até o “bolso” do poupador já sentiu o choque. Os juros nas mínimas históricas vem provocando um resgate dos investimentos mais tradicionais e seguros para um direcionamento em investimentos mais sofisticados como ações, fundos imobiliários e fundos multimercados. Fundos de ações bateram recorde de captação nesse período, chegando ao pico de captação líquida em dezembro de 2019, com captação de 16 bilhões em um único mês. O número de aplicadores na bolsa também teve um forte aumento, saindo de 800 mil CPFs cadastrados no fim de 2018 para mais de 1,6 milhão de investidores em janeiro de 2020, um crescimento superior a 100%.

Surgiram empresas de análise, blogs na internet, comunidades, podcasts e vários canais no YouTube para munir esse novo público de informações e dados. O número de empresas que listaram as suas ações na bolsa também cresceu. Em 2019 foram feitas 33 ofertas de ações e 5 novas companhias vieram a mercado. O volume financeiro negociado diário médio saltou de R$ 6,4 bilhões ao dia no começo de 2018, para R$ 15 bilhões no começo desse ano. Esse otimismo todo provocou uma forte valorização das ações brasileiras em 2019, com o índice Bovespa tendo rendimento de 31,58%.

Um dado nesse último ano chamou bastante atenção. Essa escalada da bolsa foi alcançada com baixíssima volatilidade porque o índice brasileiro praticamente só subiu, um movimento historicamente bem atípico. Para se ter uma ideia, nos últimos 18 meses fechados, a maior queda do índice foi de apenas 1,86% em fevereiro de 2019.  Olhando para o passado do nosso mercado, praticamente todos os anos ele se desvaloriza 15% em algum momento do ano, ou seja, é comum o mercado tombar 15% ou mais dentro de um mesmo ano.

Dito isso, até meados de janeiro de 2020, mais da metade dos CPFs brasileiros cadastrados na bolsa não sabiam o que era queda nas ações. Muita gente novata vinha resgatando renda fixa e investimentos mais conservadores e aplicando na bolsa de valores. Tudo caminhava bem até que as notícias na Ásia começaram a preocupar.

Logo no começo do mês de fevereiro, os mercados foram impactados com o surto do coronavírus. Primeiro a China começa a sofrer os efeitos da doença e aos poucos outros países diagnosticam pessoas infectadas. Agora, o mundo todo parece que vai sofrer. Com a expectativa de uma pandemia global, os mercados desabaram mundo à afora. A bolsa chinesa começou a sofrer primeiro, mas o mercado americano logo caiu em sequência. O SP500 (principal índice da bolsa americana) desabou 15% em poucos dias. As bolsas Europeias também seguiram o mesmo caminho. Por aqui não foi diferente, o índice Bovespa chegou a cair mais de 16% em um curto espaço de tempo, desde a sua máxima no fim de janeiro. No retorno de carnaval, em um único dia, o índice desabou mais de 7%.

Em um ambiente de incerteza como esse, se eleva a aversão ao risco. Os investidores acabam ajustando o prêmio de risco exigido na sua alocação de capital, basicamente, elevam quanto um investimento deve retornar para ser viável. Se antes, era satisfatório um investimento que rendesse 10% ao ano, talvez agora não seja mais. Com a escalada de incertezas, essa taxa exigida passa a ser maior, talvez de 15%. Se, por exemplo, um investidor ficava confortável em investir em ações da Vale esperando uma valorização de 10% ao ano nos próximos anos, agora ele só investe se achar que pode ganhar 15% ao ano, se tornando bem mais exigente e exigindo preços menores de entrada. Por isso todo o mercado se desvalorizou, até mesmo ativos considerados seguros, como empresas de energia elétrica ou saneamento, sofreram.

Com o tombo dos mercados nos últimos dias, pode-se dizer que mais da metade dos investidores da bolsa brasileira tiveram o seu “batismo” e realmente descobriram o que é renda variável. Um público novato, sem tanta experiência aplicou as suas economias em ações e fundos de ações, talvez acreditando que a bolsa de valores continuaria a sua escalada sem tropeços e agora se veem em meio a uma tempestade de notícias negativas e incertezas. Certamente, muitos estão agora muito menos confiantes e sem saber como agir nesse cenário inédito para eles.

Um dos maiores gestores de ações do nosso tempo, se chama Peter Lynch, ele foi o gestor do fundo de ações mais rentável americano, o Magellan Fund da gestora Fidelity. De 1977 até 1990, período em que esse fundo rendeu perto de 30% ao ano em dólar. Quem comprou U$ 1.000,00 em cotas de seu fundo em 1977 e permaneceu comprado até 1990, viu o seu investimento multiplicar por mais 30 vezes. Pouco depois do Lynch se aposentar, ele publicou um dado impressionante: mais de 50% dos cotistas de seu fundo não ganharam dinheiro. Isso mesmo, o melhor fundo do mundo fez a maioria das pessoas perderem dinheiro. O fundo mais rentável da história sofreu de um problema recorrente que acomete o pequeno investir, a falta de paciência e visão de longo prazo. Os cotistas do Magellan compravam cotas depois de um ciclo forte de alta e vendiam quando o fundo se desvalorizava. Dessa forma, a maioria comprava cotas quando mercado estava em alta e vendia quando o mercado caía, perdendo dinheiro sistematicamente.

É muito louvável o pequeno investidor buscar o mercado de capitais e tentar conseguir melhores alternativas nos seus investimentos. Por outro lado, esse processo deve vir acompanhado de muita paciência, visão de longo prazo e educação financeira. Os momentos de pânico sempre vão acontecer, pelo menos uma vez por ano. Devemos nos manter firmes à estratégia e suportar a dor desses momentos. Alguns grandes investidores seguem essa cartilha e servem de bons exemplos: Warren Buffett; Charlie Munger; Peter Lynch e no Brasil, Luis Barsi Filho.
 
O autor é Carlos Henrique Chaves Pessoa, Gestor de Recursos e CEO da Vêneto Family-Office

 
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