Foto:TV Brasil Em meio ao surto do vírus Zika que impactou milhares de famílias pelo Brasil, entre 2015 e 2016, nasceu a pequena Nicole, em Salvador, na Bahia. Enquanto a mãe Ingrid Graciliano aguardava a chegada da filha, que completa 4 anos este mês, o susto: um diagnóstico de microcefalia. A doença da filha a afetou emocionalmente. Ingrid passou a desenvolver os primeiros sintomas da depressão pela novidade, pela quebra de expectativa e por imaginar os cuidados e a luta que seria criar Nicole.
Hoje, ela é a presidente da Associação de Anjos da Bahia e compara a situação a um luto, o que levou à depressão, doença que atinge muitas mães e cuidadoras de crianças afetadas pela síndrome congênita do Zika.
“A depressão veio depois que eu tive Nicole e se potencializou ainda mais. Olhava para ela e via que não me acompanhava com o olhar porque tinha baixa visão, né. Aquilo me doía muito. Eu amamentava e ela não olhava pra mim. Não é um luto passageiro, é um luto eterno porque a gente sempre vai procurando aquela criança que a gente sonhou”, disse.
Segundo ela, a situação da filha gera um desgaste psicológico muito grande.
“Eu me separei do meu marido, tive um quadro de depressão muito crítico, pensamentos suicidas, comecei a tomar ansiolítico. Tinha uma vida plena antes, trabalhava, estudava e não poderia me colocar no mercado de trabalho porque tinha de cuidar daquela criança ali.” Ingrid disse também que a falta de apoio familiar e suporte de políticas públicas para os cuidadores das crianças influencia no agravamento do quadro depressivo. Segundo a presidente da associação, quase 80% das crianças afetadas pelo Zika foram deixadas pelo pai e dez mães da associação já tentaram suicídio.
“É preciso cuidar de quem cuida”. É o que defende, com unhas e dentes, a psiquiatra Darci Neves, também epidemiologista e professora do instituto de saúde coletiva da Universidade Federal da Bahia, depois que realizou um estudo preliminar sobre quem cuida das crianças afetadas pelo vírus. “
A expectativa de uma família perante algo tão inusitado como foi a síndrome congênita do Zika, nos fez pensar que pudessemos aliviar esse sofrimento. Pensamos em cuidar de quem cuida. Se isso não for feito, a criança também não é beneficiada”, afirmou a médica.
Segundo a psiquiatra, o estudo foi realizado com famílias de 165 crianças que foram impactadas, de alguma forma, com o surto do zika vírus, entre 2015 e 2016, em Salvador. O resultado, de acordo com ela, era previsto na literatura médica, mas a confirmação de que uma a cada três pessoas que cuidam dessas crianças apresentam diagnóstico de depressão. E a maior parte, 90%, é de mães.
Para a especialista, a síndrome congênita do Zika vírus gera o fator surpresa na família e ocasiona o estresse que pode levar à depressão. Além disso, ela considera necessária a elaboração de políticas públicas que deem suporte a quem cuida dos pequenos, principalmente as mães.
Estudo Com o título Desenvolvimento Infantil na Comunidade, a equipe que a médica coordena acompanhou as 165 crianças de até 3 anos de idade, em Salvador. Todas foram afetadas, de alguma forma, pelo surto do Zika: podendo ser microcefalia, hidrocefalia ou sem interferência na aparência do bebê, mas de caráter neurológico.
Nessa avaliação sobre o desenvolvimento dessas crianças, a pesquisa analisou três fatores: cognição, motricidade e linguagem. No fim das contas, o estudo aponta uma idade mental de 1 ano de idade, em crianças de 3 anos. “
Há muitas outras alterações neurológicas que não necessariamente acontecem na cabeça. Essas alterações que atingiram o cérebro da criança tem um poder de dano muito grande. Observamos que as funções cognitivas estão abaixo do que disseram. A gente encontrou esses percentuais elevados para funções cognitivas, para a função motora e de linguagem”, disse Darci.
No desenvolvimento motor, por exemplo, foi avaliada a capacidade de agarrar objetos, andar e pular. Em mais de 80% das crianças avaliadas apresentaram atraso, em relação a outras crianças da mesma idade. A capacidade cognitiva, como percepção, memória e raciocínio foi afetada pelo Zika em 79% dos pequenos. E quanto à linguagem, o estudo revelou um atraso em relação à idade em 78% das crianças avaliadas.
Foi na capital baiana que o vírus da doença foi identificado pela primeira vez, em 2015, em pacientes infectados. A microcefalia se tornou a complicação mais conhecida em bebês de mães que tiveram o vírus Zika, mas existem outras complicações, como problemas motores e neurológicos que podem afetar a visão, a audição e o desenvolvimento da criança.
Cerca de 60% das mães participaram da pesquisa, coordenada pela professora da UFBA, Darci Neves, com financiamento de agências de pesquisa Capes e CNPq e do Ministério da Saúde. Caso o financiamento seja mantido, o próximo passo do estudo é analisar o desenvolvimento dessas crianças na fase escolar, nos próximos anos. Só assim vai ser possível embasar a elaboração de políticas públicas às crianças e familiares afetados pelo Zika.