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04/06/2019 às 15h27min - Atualizada em 04/06/2019 às 15h27min

Alteração na CNH beneficia apenas condutor infrator, diz órgão de segurança no trânsito

Projeto entregue ao Congresso por Bolsonaro nesta terça amplia a validade da carteira nacional de habilitação e estabelece maior tolerância com multas.

Huff Post
Foto: Divulgação
A decisão do presidente Jair Bolsonaro de ampliar a validade da CNH (carteira nacional de habilitação) de 5 para 10 anos e aumentar de 20 para 40 o limite de pontos para suspender o documento acendeu um alerta entre especialistas em trânsito. Há a avaliação de que a medida beneficiará apenas o motorista infrator e que a tendência será fazer com que os números de acidentes e mortes no trânsito, em queda desde 2010, voltem a crescer.

O pontapé para as mudanças nas regras foi dado nesta terça-feira (4) com apresentação ao Congresso de um projeto de lei responsável por fazer as alterações.

”É um projeto eu parece que é simples, mas atinge todo País”, disse Bolsonaro após entregar o texto ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Dados do Ministério da Saúde mostram que os acidentes de trânsito são a segunda maior causa de mortes externas no Brasil. O levantamento mais recente, indica que em 2017 morreram 35,3 mil pessoas em acidentes de trânsito. Além disso, um estudo baseado em 1,7 milhões de internações por acidentes de trânsito terrestre entre 2000 a 2013, apontou que 23,5% dos pacientes apresentaram diagnóstico sugestivo de sequela física, especialmente com amputação e traumatismo crânio encefálico.

Ainda de acordo com o ministério, as principais causas de acidentes envolvem situações passíveis de multa, como a combinação de álcool e direção, velocidade excessiva ou inadequada e o não uso de equipamento de proteção.

Nos 3 primeiros meses do ano passado, de acordo com dados do Registro Nacional de Infrações de Trânsito (Renainf), publicados pela revista Auto Papo, foram emitidas 15,4 milhões de autuações, a maioria por excesso de velocidade. Avançar o sinal vermelho e não uso do cinto de segurança também estão no ranking das multas.

Por causa do endurecimento nas regras de trânsito por meio do Código Brasileiro de Trânsito e rigor na fiscalização, o Brasil, de acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), conseguiu reduzir os índices de mortes e acidentes no trânsito. Em 2015, o País era campeão mundial em mortes no trânsito. No ano passado, havia caído para 5º lugar.
 
Impacto das alterações

O Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) acrescenta que o aumento na validade da CNH irá “beneficiar somente os condutores infratores (menos de 5% da população brasileira), ou seja, justamente os que colocam em risco a vida dos demais 95% da população”.

O ONSV ressalta ainda que, em relação ao aumento no limite de pontos para suspender a habilitação, o percentual de beneficiados também é baixo.

“Considerando que atualmente há 60 milhões de condutores com CNH e que, segundo levantamentos, de 15% a 18% deles são infratores contumaz, ou seja, cometeram mais de duas infrações ao ano, teremos aproximadamente 10 milhões de condutores beneficiados por essa medida, menos de 10% da população brasileira.”

Para o órgão, “a hierarquia e a disciplina precisam ser comuns a todos os condutores. Logo, flexibilizar a pontuação é contrária a este posicionamento”.

Diretor científico da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), Ricardo Hegele, corrobora as declarações do ONSV de que as mudanças podem causar mais acidentes de trânsito. Ele destaca que hoje já é difícil punir o motorista infrator e afirma que é uma falácia a forma como o governo tenta colocar a questão.

“Parte de uma premissa errada, alguns técnicos [do Ministério da Infraestrutura que conversaram com a Abramet] falaram que ninguém vai ficar doente com 20, 30 anos, que vai ter perda de visão etc. Se apegam a um índice de 12% de doenças orgânicas que causam acidentes de tráfego, mas há mais de 70% de outras situações nas quais a avaliação médica adequada é essencial, como na identificação de agressividade, inexperiência do motorista, doenças psiquiátricas que independem da idade. São situações que acabam gerando risco de acidente.”

O aumento no prazo de validade da CNH gera alerta, segundo ele, especialmente nos motoristas das categorias C, D e E [que incluem os caminhoneiros] que viajam pelo País em longas distâncias.

“O risco de acidente de uma pessoa sem condições é muito grande. Hoje cada vez mais cedo temos afastamento do trabalho de motoristas profissionais, com doenças mentais, isso você não consegue prever e controlar por 10 anos. O risco existe, certamente vai ter aumento da acidentalidade.”
 
Pleito dos caminhoneiros

O, líder dos caminhoneiros, Wallace Landim, conhecido como Chorão, afirmou que as mudanças nas regras são pedidos que a categoria negocia a mais de ano com o governo federal. Outro pedido que foi atendido e que favorece a classe é a extinção do exame toxicológico [que detecta o uso de drogas em até 180 dias antes da coleta] e a possibilidade de o caminhoneiro zerar os pontos da CNH ao atingir 30 pontos em 12 meses com um curso preventivo de reciclagem.

As mudanças também beneficiam a família do presidente. Levantamento da Folha de S.Paulo, publicado em abril, mostra que a família, que inclui o presidente, a primeira-dama e 3 filhos, levaram mais de 40 multas nos últimos 5 anos. A primeira-dama soma 41 pontos na CNH e o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), 39 pontos. Carlos Bolsonaro tem 24, Bolsonaro, 18 e Eduardo, 7. Juntos, totalizam 129 pontos e 44 multas, no valor total de R$ 4,7 mil. Entre as multas, mais da metade é por excesso de velocidade (24). 

Tanto Michelle quanto Flávio tiveram mais de 20 pontos em um período de 12 meses, mas nenhum dos dois teve a CNH suspensa. À Folha, o Detran do Rio afirmou que o processo só é aberto após o condutor esgotar, sem sucesso, os recursos.
 
“Indústria a multa”

Em abril, Bolsonaro disparou contra o sistema de fiscalização, que ele chama de “indústria da multa”. “Há uma quantidade enorme de lombadas eletrônicas no Brasil. É quase impossível você viajar sem receber uma multa”, disse.

Em seguida, ele afirmou que “a gente sabe que, no fundo —ou desconfia—, o objetivo não é diminuir acidentes. Não é, porque hoje se está muito mais preocupado em se olhar para o lado, para o barranco, para ver se tem uma lombada eletrônica, do que para ver a sinuosidade das pistas”.

No sábado (2), quando anunciou que enviaria o projeto de lei, o presidente voltou a criticar o que chama de “indústria da multa”:  “Porque se fosse, como justifica Copacabana, Leme, Leblon, 70 por hora? Aterro do Flamengo, 90 por hora? Como justifica isso aí? É multagem, é para meter a mão no bolso do motorista, só isso. Vamos acabar com isso aí”.

O diretor científico da Abramet, Ricardo Hegele, contesta a declaração do presidente. “Dizer que passou em uma lombada a 70 km por hora, que era de 60 km por hora, que são as menores quantidades de infrações que se tem, nem se compara a gravidade de uma pessoa que trafega a 120 km por hora, quando o limite é 80 km por hora, em uma rodovia sem condições adequadas, sem sinalização, sem asfalto adequado, que é responsabilidade do Estado. Isso, sim, é inadmissível.”

Hegele acrescenta que “é fácil quebrar com a indústria da multa, é só não cometer infração”.

O que mais diz o projeto de lei?

Além de aumentar a validade da CNH, de esticar para 40 pontos o limite para suspensão do documento, de extinguir o exame toxicológico para motoristas profissionais e o curso preventivo capaz de zerar a pontuação de multas, o projeto de lei também:

- Dobra a validade para habilitações emitidas antes da entrada da lei em vigor;

- Elimina o prazo de 15 dias após a divulgação do resultado para o candidato que reprovou no exame escrito sobre legislação de trânsito ou de direção veicular;

- Revoga o artigo 263, que estabelece a cassação da CNH quando o motorista for condenado judicialmente por delito de trânsito;

- Exige que os veículos novos tenham luz de rodagem diurna. Com isso, os veículo hoje em circulação continuam obrigados a manter luz baixa acesa em rodovia, mas com duas diferenças. A primeira é que deixa de haver multa (apesar de continuar o acréscimo de pontos). A segunda é que a exigência agora é só para rodovia de faixa simples;

- Exige cadeirinha para crianças nos veículos. Hoje não está previsto em lei, apenas em norma do Contran;

- Facilita ao Contran liberar bicicletas elétricas sem maiores exigências, e

- Amplia as hipóteses de sanção, com paralela redução das punições, quanto à obrigação de capacete por motoristas.

De acordo com Bolsonaro, o texto retira do Detran a exclusividade de definição de clínicas que podem dar atestado de saúde para a emissão de CNH. Segundo o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes, o exame poderá ser feito iunclusivo no SUS.
 
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