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27/11/2018 às 11h32min - Atualizada em 27/11/2018 às 11h32min

Música, Consciência e Sociedade

CRÔNICA

João Cássio
No final dos anos 80 e começo dos 90, antes mesmo de ser asfaltada a Avenida Esperanto, onde morava, em Promissão (São Paulo), o rádio tocava canções que enchiam de fantasia o imaginário de nós, crianças: "Pegar carona nesta calda de cometa, ver a Via Láctea, estrada tão bonita" (Lindo Balão Azul, Guilherme Arantes), "Pra Lua: a taxa é alta. Pro Sol: identidade. Mas já pro seu foguete viajar pelo universo. É preciso meu carimbo dando o sim Sim, sim, sim. O seu Plunct Plact Zum Não vai a lugar nenhum!" (Carimbador Maluco, Raul Seixas).

A gente não sabia direito que significava essa coisa de universo, cometa, espaçonave – até hoje ninguém sabe ao certo –, mas essas canções foram a semente que hoje, no meu caso, ajudou a despertar o fascínio pelos mistérios que viajam pelo céu, os mistérios infinitos da vida. O Universo, onde se incluem não apenas as estrelas e as nebulosas mas também o próprio ser humano, é a obra-prima do Criador, uma obra viva, em constante movimento, a qual devemos estar sempre abertos a aprender e a nos expandir. A partir desse fascínio, passei a me abrir para astrologia, ufologia, viagem astral, enfim, assuntos que me inspiraram canções e trouxeram amigos que também ouviram Raul Seixas e Guilherme Arantes. 

Mas vamos falar sobre bundas e instinto sexual, assuntos muito mais importantes, não é mesmo? 

Pelo menos, é que parece por boa parte da música que chega massivamente às pessoas... Porém, a música está longe de ser mera diversão. Uma vez absorvida, se insere na consciência e passa a ser possibilidade de ação na vida prática. Tudo o que a gente faz de forma não instintiva está baseado no que está na nossa consciência, no nosso imaginário. Por isso, no caso da música, por exemplo, quanto maior a amplitude de temas, ritmos, melodias e harmonias uma pessoa tiver acesso, maior será o seu repertório de ações e, consequentemente, maior o seu raio de liberdade imaginativa. 

Nos anos 90, década que abrangeu da minha infância à adolescência, existia uma gama considerável de estilos que tocavam nas rádios. Além das músicas infantis, tocava-se ostensivamente o sertanejo de Leandro & Leonardo, o rock dos Raimundos e do Charlie Brown Jr., o reggae do Cidade Negra, a lambada de Beto Barbosa, o pagode do Raça

Negra, o samba do Fundo de Quintal, o axé de Netinho (da Bahia), o funk de Claudinho e Buchecha, as românticas de José Augusto, sem contar as baladas e a Dance Music internacionais e também as remanescências como Belchior e o próprio Raul Seixas ...

Por mais que se pudesse questionar a qualidade das letras e a qualidade musical em comparação com as décadas anteriores, havia uma diversidade estilística e temática abrangente. Nas duas últimas décadas, salvas as exceções de praxe, a produção nacional veiculada nas grandes rádios é majoritariamente dentro do sertanejo dito "universitário" e do funk, com temáticas que ressaltam bebedeira, sexo descompromissado e curtição. Não quero julgar os profissionais que tiram seus sustentos desses estilos, mas não se pode negligenciar a seguinte questão do ponto de vista filosófico e cultural: que tipo de comportamento está gerando o imaginário de pessoas que ouvem apenas esse tipo de música?

A arte não é apenas diversão, ela toca diretamente a alma das pessoas e seu uso para fins meramente mercadológicos afeta diretamente o destino de um povo. Por que não são tocados mais os artistas que trazem mensagem que contemplam os mistérios da vida, que questionam os rumos da sociedade, que falam de amor com sutileza e profundidade? Onde estão os novos Belchiores, Raul Seixas, Bob Dylans?     

* João Cássio é cantor, compositor e autor do blogue joaocassiooficial.blogspot.com




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